Fernando Andrade e versos que dançam

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Jose Fontenele | escritor e jornalista

“Cântico para enlouquecer Cristo” (Editora Penalux), do poeta e crítico Fernando Andrade reforça sua trajetória lírica construída até aqui. Através da predileção do poeta por jogos de palavras, a musicalidade presente em aliterações, versos livres, prosa que verseja (há quatro contos ao fim do livro), e mesmo a presença do filósofo Deleuze e do psicanalista Lacan (que nesta altura são signos do Eu-Lírico do poeta), temos um material sonoro, afiado, de versos que cantam com leveza e despertam fascínio vocabular.

O livro conta com 29 poemas, 3 prosas, e evidencia a construção poética de Fernando Andrade calcada na sonoridade. O poeta é um detetive/cientista que investiga o léxico português na busca de versos que dançam em sinfonias interligadas; o gênero da música cabe ao regente: Fernando. E isso nos brinda com construções interessantíssimas, como em um dos poemas iniciais, “Sibilina bailarina Lacan”, em que os primeiros versos sambam: A sílaba sibilou lá / perto da preposição de cá / sibilina, bailarina, Lacan.

Além dos poemas sonoros, temos alguns que também investigam o próprio ofício do poeta. Há como uma espinha dorsal sobre a dificuldade do ofício de versar. Um eu-lírico reticente ou, ao menos, consciente do desafio que tem pela frente. Notamos isso em “Um autor”, nos versos: Um autor / perdeu sua voz, apenas mudez? / ou algum tipo de pudor, nudez?. Depois continua em “Vire à esquerda”: Meu querido / vim ver sua linguagem / que dizem que está de mal à pior / um pouco moribunda? / debilitada?. E também encontra eco no primeiro verso do poema que dá nome ao livro, como um pedido: “Cristo, me deixai os sufixos”.

Destaque também para os três “contos” que aparecem na segunda parte do livro. Os três apresentam enredos singulares e contam com uma estrutura que foge do conto tradicional. São textos que lembram construções audiovisuais ou do teatro, onde o tempo dos personagens é incerto, ou melhor, não há que se preocupar com o tempo ou o enredo – são histórias que se constroem, e nos fisgam, pela completude e apreço vocabular.

Se “Cântico para enlouquecer Cristo” é seu primeiro contato com o poeta, estimo que também conheça os livros anteriores dele. “A Perpetuação da Espécie” (2018), “Logaritmosentido” (2019), “A janela é uma transversalidade do corpo” (2021), “Interstícios” (2021) e “Se a vida fosse um vinil” (2022), são livros com muito som, riqueza vocabular e encanto. Vamos ler o Fernando Andrade.

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