Fernando Andrade entrevista o poeta Luciano Duarte

Luciano Duarte - Fernando Andrade entrevista o poeta Luciano Duarte

 
 
 
 
 

Fernando Andrade – Um cotidiano não se faz só com palavras e eventos ligados às palavras. Os animais seriam nossos conectivos com a poética mais sublime para entender a existência terrena. Como relacionou certa animalidade com este cotidiano num meio rural.

Luciano Duarte – Acredito que temos muito o que aprender com essa convivência interespécie (ou com essa confluência, para usar um termo do grandioso Nêgo Bispo, para quem os animais são nossos compartilhantes). Literatura é, entre tantas outras coisas, desautomatização. E acho que os animais – assim como as plantas – podem nos ajudar a desautomatizar tanto a língua quanto o nosso cotidiano, ou melhor, nosso(s) modo(s) de vida, nossa própria existência no mundo. Mas, para isso, esse compartilhamento interespécie precisa partir do respeito e de uma abertura à alteridade. Não adianta estar cercado de vida animal se você não está minimamente disposto a ouvi-los, observá-los, contemplá-los… Como alguém que cresceu no interior e só depois de adulto mudou para a cidade grande, sempre tive a impressão de que nos relacionamos melhor com os animais no meio rural, o que não significa dizer que isso sempre se dê dessa forma e também não quero romantizar a exploração animal, em qualquer contexto que seja.

Fernando Andrade – Uma imagem de um bicho num certo lugar demonstra certa versão literal da ação. Ou poderíamos falar de metáforas, ou imagens ou trocas para falar do comportamento do homem em relação ao seu meio ambiente.

Luciano Duarte – Uma das noções usadas para falar da presença animal no meu livro desde o seu lançamento tem sido a da metáfora, mas eu não escrevi Os grilos com essa intenção em mente. Muito pelo contrário. Como você mesmo disse, as imagens animais surgem no meu livro de forma literal. Apesar de estar lidando com o animal escrito, o que me interesse é o animal vivo, singular, pulsante, incapturável. O bicho de pele, pelo, osso, escama, casco, penas… Não almejo qualquer outro significado para além do próprio bicho vivo, em toda a sua singularidade não só enquanto espécie, mas também enquanto espécime. Devo muito dessa visão às leituras e releituras das produções literárias e acadêmicas da escritora e pesquisadora Maria Esther Maciel, que é uma grande referência para mim.

Fernando Andrade – Há certo universo do silêncio no seu livro. Trocamos o ruído da cidade pelo recurso da poética do silêncio, onde o movimento de jabuti é entendido pela sua locomoção e não pela linguagem em palavras. Comente.

Luciano Duarte – Nas perspectivas antropocêntricas, uma linha divisória entre vida animal e vida humana (como se também não fôssemos animais!) que sempre surge é a da linguagem. Por não terem uma língua, os animais seriam inferiores aos humanos. E é assim que chegamos a uma ridícula conclusão de superioridade. Desse modo, subestimamos toda e qualquer forma de comunicação que não se dê por meio da palavra (seja ela escrita ou falada), como se a comunicação por outras vias fosse menos legítima. Os animais, por exemplo, se comunicam de maneiras diversas. Latidos, miados, cantos, mugidos, cheiros, gestos… O silêncio no meu livro é o silêncio do eu-lírico humano, que abre espaço para a explosão dos sons e movimentos animais. É o silêncio da contemplação.

Fernando Andrade – Sou de família de fazendeiros, e o ambiente lá é um outro universo afetivo, colocado por laços que não são feitos por trocas ou símbolos de mensagens, messenger, email, whatsapp. Tudo é mais calmo sem pressa. O que você acha?

Luciano Duarte – De fato, a vida nos parece mais calma e sem pressa em zonas rurais. Longe da correria das grandes cidades, temos, em teoria, mais tempo e espaço para desenvolvermos e nutrirmos nossos laços afetivos, inclusive com a vida ao nosso redor (os animais e as plantas). Como eu mencionei anteriormente, cresci no interior (mais especificamente, no interior de Alagoas), e escrever sempre acaba me levando de volta a esse lugar, ainda que inconscientemente. É um universo afetivo que tento representar dentro de Os grilos, um universo de compartilhamentos significativos e potencializadores.

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