Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta. Tem Doutorado em Literatura Comparada (UERJ). Atualmente é professora na Secretaria de Estado de Educação (RJ) e tutora de ensino superior a distância (UFF). Tem poemas traduzidos para vários idiomas. Publicou cinco livros de poesia: “40 poemas”, “Painel” (Multifoco, 2011), “Oferta” (Scortecci, 2014), “Dormindo no verbo” (Penalux, 2016) e “A serenidade do zero” (Penalux, 2017).
Vida que se cala
Um choque paralisante
Um elétrico transe
de palavras açoitantes
O silêncio naufragou as letras tortas
Todas foram dançar num beco vazio
O maestro da música suave
toca a vida com as mãos
A vida se cala
após sons agressivos de sua voz
A borboleta saiu de seu casulo
e saudou o horizonte
o antes e o depois de mim
Não era hora para queixas
O silêncio se refez nas asas do pássaro
da primavera
O verão chegou, e o livro da mente pálida
se esvaziou de sentido, comeu
do sol a sua interrogação
Quantas palavras jogadas ao nada
só para fazer do outro o espelho da entrega
à vida, que não se perde em zigue-zagues
dos pássaros que se perdem no lodo
As mãos ofertam o segredo da palavra
Os olhos se fiam na espada do destino
Os vazios cospem fogo, este fogo
de outras eras, mais despidas que os mares e céus
A vida se escondeu na árvore dos mistérios
O amor se glorifica na vida que se cala.
Alfabeto transcendental
Para Raquel Naveira
Um alfabeto que silencia a escrita
Que faz das letras um atalho para uma estrada esburacada
No meio da lama, encontro uma joia de medos
O medo insípido da humanidade
Em soletrar um alfabeto de cemitérios
Busco a transcendência das formas das letras
Suas sobrevidas, seus fantasmas
As palavras se inauguram na sua disformidade
Não na sua incumbência de levar a outro signo
Que não os signos das estrelas
As letras do alfabeto desencarnadas da vida
Não se fazem corpo de memórias
Mas batismo de espíritos translúcidos
Nas águas da unidade em meio a qualquer diferença enganosa
A comunhão dos signos
Se faz pela hóstia do silêncio
Que traduz o que a boca não vê
Transcendência de nomes
No papel mágico da vida.
Cápsula
Para Luiz Otávio Oliani
Introdutório – como uma cápsula essencial
Introdução dos mitos, ele se detém na lanterna
O que convém à florescência que emerge
como arquitetura do mistério
A cor que se debruça
nos lábios dos dois seres
costura o artefato do milagre
não em deter-se na antevisão dos ritos
mas por si só soçobrar qualquer sombra de certezas
O animal que se esconde na moita
já está preparado para morrer
E nós jogamos o jogo da sorte?
Introduz-se no ser
a altaneira madrugada dos tecidos
Vértebras que se carcomem
na poeira dos lençóis
O homem-ser de pano
se extravasa de dores
Saem os suores do corpo
Os temores da sombra
se amotinam na cama
A cápsula da essência interior
é seu remédio mais preciso
mais vidente que o sol que folgueia
com as árvores em penitência
Introdutório – o sorriso do ser-homem
ultrapassa a sorte para se fazer destino
no entreabrir dos versos desta cápsula insana
que é o mundo.
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