O ETERNO QUE NÃO POSSO
O nascimento de teu mundo
não cabe nesta engenharia de meu uso.
Ainda que te escreva com minha magia,
a luz com que te digo não pode o eterno
que desejaria eu, teu escrevente;
não pode o tamanho do sonho
que embalas
nestes velhos alicerces do mundo.
Esta magia que sei,
ó carne-irmã da minha,
é feito cisco no desluzir da tarde –
mal pode haver
e é tempo de já não ser.
Mas que importa?:
a vida é enquanto.
[in Escrevivências: livro de vidas imaginografadas]
Oráculo
a poesia não está na palavra
(como uma coisa em si)
mas no olho de quem vê
o que lhe carrega o nome
[in A selvagem língua do coração das coisas]
DOS PEDAÇOS DE MADEIRA DE DEUS
I.
Principio meu mundo
com os restos de madeira de teu deus –
talho minha lira
da humanidade
desse já quase-húmus.
Gosto de sonhar o impossível
pelo possível dos pedaços.
II.
Nada é belo
que não carregue em si
os restos da própria nascença:
uma pobre morte particular
para um dia sem ênfase –
em que talvez um violino
console um pássaro só.
[in Metal sem húmus]
DÉRCIO BRAÚNA [1979] é cearense, de Limoeiro do Norte. É bancário e historiador (mestre e atualmente doutorando em história social), com estudos sobre as relações entre história e literatura. É autor de obras poéticas (O pensador do jardim dos ossos A selvagem língua do coração das; Metal sem Húmus; Aridez lavrada pela carne disto; Como cavalos fatigados abrindo um mar; Escrevivências); contos (Como um cão que sonha a noite só) e estudos historiográficos (Uma nação entre dois mundos; Nyumba-Kaya; A assombração da história).
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