Pano de despir
I
Despido meu manto, envolveu-me as ancas
a transparência da espera. Pela casa,
espalhei turíbulos festejando o dia.
Das estrelas, sabiam os videntes.
Desse encontro, sabemos nós,
ouvindo ausentarem-se
as palavras dos presságios.
E, a luz, na tinta das paredes.
À fábula, a travessia dos lábios.
Se, do corpo, mais ousamos que os magos. . .
Sabemos dádiva o suor da pele.
II
Despido meu manto, nele reconheço
o leito desejado. No tecido, me encontro
amorizando a terra. E o código das marés.
No bojo da mala, distanciaram-se
os dias das trincheiras. Do afeto, eu sei.
Do afeto, traduzimos a carne que
nos concede a vida. No afeto,
esquecemos o pecado original.
Nas mãos, as travessias dos braços.
Se, mais que o verbo, sabem os lábios,
na língua se move o gosto da fábula.
III
Despido meu manto, encontro-me
neste solo de espera e sossego.
No cais, aportaram navios e pássaros.
Dentro de mim, despertam memórias.
Monossílabos. E o sêmen.
Daquelas árvores no quintal,
herdamos os frutos.
E a doçura.
Legados do viajante.
Entre a carne e a pele, o mundo
se mostra menor que este manto.
Mirian de Carvalho é Doutora em Filosofia. Lecionou Estética nos Programas de Graduação e de Pós-Graduação da UFRJ. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte; da Associação Internacional de Críticos de Arte; da UBE / RJ e SP e do PEN Club. Nos dias atuais, dedica-se à poesia, à crônica e à pesquisa no campo da cultura brasileira e foi agraciada com vários prêmios literários, entre eles o João do Rio (1º lugar / poesia) e a Medalha José de Anchieta, que lhe foram conferidos pela Academia Carioca de Letras, em dezembro de 2016. Além de assinar 10 livros de poesia e 7 de ensaio, é autora de cerca de 200 textos que se diversificam em artigos, prefácios, posfácios e releases publicados em mídias especializadas. A autora assina o Blog da Mirian, no Digestivo Cultural.
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