UM HOMEM NEGRO
um homem negro está sentado num banco da praça
digo que um homem negro como nunca antes visto
rebrilhando nem sei se uma constelação inteira
em sua pele tão negra que quando penso nele
fecho os meus olhos como se engolido pela noite
um homem tão negro nunca descrito na bíblia
e se foi descrito em papiros de um antigo deus
herdou a cor mais negra (repito que um homem
de uma cor tão negra que nem se sabe se ele existiu)
e este homem negro agora está sentado numa praça
oh deus que homem se confunde na tua larga noite
um homem difundido na pele negra da constelação
um homem de um tempo antigo de um livro apócrifo
um homem tão negro que entorpece pelos excessos
(repito: o homem mais negro que já pisou nesta terra)
e a noite agora calça os pés nos seus negros pés
e a constelação se espalma em suas negras mãos
e a boca do profeta beija a testa mais negra sobre a terra
e o cântico dos cânticos é uma pele enaltecida e muito negra
e os meus olhos se fecham e se bastam dentro e fora
CORRENTES NO PESCOÇO
meus inimigos estão todos de cabeças erguidas
eles me reconhecem pelo faro
são soldados que marcham pela madrugada
são formigas famintas guiadas pela estação
de peito estufado matam por algazarra
de suas bocas escorrem vaidades e mentiras
com as mentiras eles adubam o caminho
como não reconhecer meus inimigos
se trazem nas mãos tigelas e gargalhadas
e ostentam orgulhosos uma corrente no pescoço
como não amar meus inimigos
se são como cabras elaborando danças ao sol
se num labirinto identifico a sílaba dos seus desejos
e eu que sou como um alcatrão agarrado ao peito
tenho como consolo as suas digitais no pulso
meus inimigos estão de cabeças erguidas
e eu sou ninguém para esse bando de santos
sou como a gaivota que não pensou a vida
sou a camada escrita quando um poema não tem saída
ouço vozes de lugares onde um fantasma premedita
um incêndio quando todos se disserem felizes
VENCE QUEM FOGE
?você mente quando diz a verdade
uma vida entre quatro paredes
e o sexo motivando o surto
uma pausa sopra
o sol na cela o vento
amarrado nos
ferros
no centro do corpo uma rocha
?você mente quando diz a verdade
se já é hora de desabitar o lugar
se a escada pesar mais
que a casa se a solidão
tem causas internas
para organizar virtude e acidente
para compreender o perigo do mundo
ressuscitar de restos de trabalho
aplaudir o sorriso do matador
?você mente quando
diz a verdade
FLAVIO CAAMAÑA é um trabalhador braçal e poeta nascido em Tamboril, desertão do Ceará. Atualmente residindo em Fortaleza, obteve primeiro lugar no XVI Prêmio Estadual Ideal Clube De Literatura, participou de algumas coletâneas em livros e revistas eletrônicas. É autor de AQUEDUTOS (PATUÁ, 2016).
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