a viagem
primeiro corra até a janela, olhe através do vidro, a cidade em fogo-luz acanhados quartos de pontos velados, raízes de velas ao chão
o serviço da chuva em almofadinhas de vento – faz frio
penso que desastre total das concepções
isto de nos vermos nos espelhos mas nos enxergarmos nas janelas; no colégio nunca comentaram a respeito
agora vá um pouco mais, para o lado de fora da janela
psicografando os restos de brisa, as fornalhas dos condescendentes e mutantes painéis de luz; mantenha o equilíbrio, ora na constelação de janelas ora no deserto de céu
– e que tanto
como as harpias
destemidos do gélido e do fogo, iríamos chegar neste ponto, você sabe, é um convite:
pule
com sua face completamente escancarada na conjunção dos átimos de segundos, vislumbrando a gênese e os saltimbancos letreiros, os faróis trilhados e então a coragem
te leva
até a janela daquele amigo amedrontado pela leitura dos sinais presentes
até a rua onde franciscanamente você subiu/desceu raspando o limo dos muros, quando criança;
lembra?
seus pais batizaram-no e deram um nome: – filho
e então sua avó ganhou um pequeno deus
as portas estão abertas
volte sempre.
onde o coiote não se esconde
não olhe para o sol
aqui ele é 10x maior e você morre
conexões com a turma do Homem
e os rabos solares chicoteando-nos
quando estiver triste, vá a este endereço:
porta verde, cachorro gordo na frente
velho artesão, ramalhete de pedras vermelhas, dois passos à direita
ouça o crack crack das rochas de sal
você pode apaixonar as tetas dos vulcões
ou dançar com os crucifixos aleatórios
por onde esfregam orações na grande pista desértica
grafitando as pedras, os grãos surfistas remetem à palavra ——-> go!
(miragem ventriculada)
satisfação na sunga seca do meu tempo:
sobre os lindos flamingos da terra, encanta-me ver apenas seus mosquitos
como se um quadro multicolorido pudesse realinhar os órgãos de meu corpo
oxigênio massageando os planetas internos
pulmão
anéis de coração
cordilheira de dentes
pé maior
fazendo posição de vida, estou
o meu corpo, o corpo habitado, está aqui, opa, uhu, outra vez
o sol come a terra
a terra come a lua
a lua nos devora
saúde!
1989
éramos crianças
eu, minha mãe e minha irmã
éramos uma sociedade em conta de participação:
a presidente, a gerente, o assistente
na melodiosa arquitetura infantil, boba fase
considerei que o jardim da casa ficava no quarto dos pais
por lá deitávamos na perpétua realização das coisas, sendo coisas um mundo constituído de pipoca, cobertas, brinquedos e subtreco de vicetrecos
uma brinquedoteca de ácaros; por isso coçava, coçava, coçava
(nem sabíamos que 15% do peso de um travesseiro velho são ácaros)
havia uma brincadeira;
a madre dizia: lá vem o lobo, o lobo
e os três escondiam-se embaixo das cobertas – a subcasa da casa, o vale cavado do ar
nos televisores, em antenas ferrugentas a fazer zunido de vespa
havia homens vestidos de japoneses
mulheres molhadas de sangue
didi-dedé-mussum-zacarias
meu dia, também em fase de crescimento, tinha apenas dois turnos:
estar com elas/não estar com elas
e no pantanoso outono serrano, voando por cima do céu, atravessando roupas de orvalho e pousando em nossos pés; havia o pássaro do frio
era assim que seu veludoso corpo anunciava a desintegração da tarde; e nossa sessão de troca de felicidades encerrava na semimorte que há nos fins de dia, para iniciar os preparos: coxas de galinhas descarnadas no jantar
tempo brônzeo
éramos três porquinhos;
e o lobo, o lobo, coitado
onde foi parar?
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