O MUNDO FOI FEITO PRA GENTE ANDAR
Do livro “Entre a estrada e a estrela” (2017)
O mundo foi feito pra gente andar.
Então, vai: um passo depois do outro.
Vai descobrir os caminhos que te levarão ao outro.
Vai inventar uma história, vai fazer a história.
O firmamento é o ponto de partida
para a tua caminhada cósmica.
E cada seixo da estrada impulsiona o teu passo
para uma estrela, para um novo espaço.
Sim, o mundo foi feito pra gente andar
e o que guia teu sapato não é o norte magnético
nem o canto das cigarras nem o caminho das formigas.
É sim algo que formiga no teu juízo
e se entranha e se amalgama e se harmoniza sem parar.
Sim, o mundo foi feito pra gente andar,
pra gente se descobrir e se inventar e se reinventar.
E por mais que se percorra mundos,
por mais longe que se chegue,
não haverá chegada, não haverá,
porque o mundo foi feito pra gente andar.
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Agora, eu só quero ouvir Bob Dylan
como quem monta numa guitarra
e sai surfando pelas praias de Jacarecica.
Havia muita solidão, mas eu era um menino feliz.
Podia correr nu e de olhos fechados
durante toda eternidade,
balizado pela areia e batizado pela água.
Sim, havia a sinfonia do mar
e havia também toda uma conquista
que não me levava a lugar nenhum,
mas quem disse que eu queria ir para alguma parte
que não fosse aquela imensa praia
numa madrugada que recebia o sol
e tinha como estandarte a vela de uma jangada solitária,
que era a alma de um homem?
E o vento me dizia que eu também tinha uma alma
e que podia ficar ali, daquele jeito,
correndo, correndo, correndo, sem fim,
rumo a mim, porque era só o que eu queria:
ser um potro solto que corria na vastidão do mar.
E tudo o que o Mr. Zimmerman me disse,
em suas palavras estrangeiras, acomodaram-se
inteiramente no meu ser, no meu movimento.
E a sua gaita é uma gata que mia lindo
e me leva de volta para Outro Mundo,
bem ali, bem perto, para uma noite
de aguardente e cannabis sativa e maresia.
E cada dose de aguardente descarregava
em minha mente toda transparência da Via Láctea
e aí é que pintavam caminhos para o deleite da gente,
eu e uns anjos alucinados, uns Sandros, uns Samuéis.
Por isso agora eu só quero ouvir Raimundo Fagner
dizer com toda força e com toda beleza
que teu zói é a flor da paisagem.
E para quem anda para cima e para baixo
inevitavelmente tem os olhos contaminados
pela paisagem de cada momento.
Ainda estou na beira da praia,
correndo para sentir a poesia
da calçada dos meus quinze anos
e esse canto chega até aqui,
bem na porta da casa dos cinquenta,
dando fôlego a este andarilho de joelhos gastos
que ainda transborda frenesi na agulha dos peitos.
E esses mundos que se aproximam
e esses tempos que vivi e vi,
estão vencendo um corpo.
Mas esse corpo é um dado.
Oh Deus, jogue-me dentro do copo dos tempos,
deixe-me sentir os ecos dos versos de Homero
e lance-me, arco dadaísta,
e lance-me, flecha ao alvo,
em um sertão que me coube e que me move.
Olho para as pessoas.
Elas chegam, aproximam-se e passam.
A maioria em passo rápido,
querendo chegar em algum lugar.
Seu interesse é apenas chegar.
E este empurrar de pedras até um certo ponto
cega toda paisagem e a beleza dos caminhos.
Por isso prefiro a gaita do Mr. Zimmerman,
prefiro o berro do índio libanês,
prefiro a sinfonia do mar de Jacarecica,
que me acompanham por todos os caminhos
que meu coração me guia,
porque o mundo foi feito pra gente andar,
sentindo a beleza de cada momento
soprada no vento que eu vou respirar.
************************************
E mais uma vez estou partindo.
Voltar para o desconhecido.
Ir e voltar. Ir é voltar.
Ir sempre e nunca mais voltar,
até chegar lá, até chegar aqui,
neste lugar de onde nunca saí:
sou o lugar que me acompanha,
paisagem interior de bicho solto.
E andar, andar
porque o pensamento é um gás
que se espalha rápido e vai longe
e nos espraia em direções
que só o sonho alcança
e avança como uma lança que corta o espaço,
que desliza no espaço até nunca mais,
até alcançar o olho da fresta
que é a festa dos sentidos.
E depois de tudo sentido,
recuperar os sentidos e caminhar
até a padaria mais próxima
e comer um sonho que me leve à tua rua.
No caminho, colherei margaridas
e sairei cantando nos tempos
um fado que escutei
na voz de Cristina Branco.
E te encontrarei
sentada no banco da praça dos desejos,
de alma exposta no varal da tarde,
anunciando um corpo que arde.
Teu amor é um fogo, é um fogo, é um fogo
e é por isso que te ofereço a brasa do meu ser
e te recebo com um abraço solar.
Agora, já é noite de lua cheia
e a poesia é uma supernova
nascendo dos nossos gemidos
a desconcertar os ponteiros do tempo,
mistérios gozosos dos nossos momentos.
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural. Publicou oito livros de poemas, dentre eles livros Pedra Só (2012), Sete (2015) e Entre a estrada e a estrela (2017), além das antologias 50 poemas escolhidos pelo autor (2011) e O galope de Ulisses (2014). Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004) e Sangue Novo – 21 poetas baianos do século XXI (2011). Publicou também o livrete Luzeiro (2003) e os cds de poemas A casa dos meus quarenta anos (2008) e Pedra Só (2013). Participa de várias antologias no Brasil e no exterior.
Coordenador e curador de vários eventos literários, como a Praça de Poesia e Cordel, na 9ª, 10ª e 11ª Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011, 2013), em Salvador, o Cabaré Literário, na I Feira Literária Ler Amado, em Ilhéus (2012) e a Flipelô – Festa Literária Internacional do Pelourinho (2017), em Salvador, assim como os projetos Poesia na Boca da Noite (2004 a 2007), em Salvador, Travessia das Palavras (2009 e 2010), em Jequié, e Uma Prosa Sobre Versos (desde 2007), na cidade de Maracás, no Vale do Jiquiriçá. Tem poemas traduzidos para os seguintes idiomas: alemão, árabe, espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano.
E-mail: jivmpoeta@gmail.com
Fanpage: www.facebook.com/jivmpoetaoficial
Blog: www.jivmcavaleirodefogo.blogspot.com
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Parabéns poeta JIVM, amo a sua poesia cada uma mais linda que a outra,muito sucesso
José Inácio vem para revolucionar a literatura com sua forma de construir o eu literário. Contagia a quem ler sua poesias, ouve seus aboios e narra suas historias é um artista com arte na veia e aspiração na alma que deus ilumine cada dia mais e mais… para que outras gerações possam conhecer sua arte.
José Inácio vem para revolucionar a literatura com sua forma de construir o eu literário. Contagia a quem ler sua poesias, ouve seus aboios e narra suas historias é um artista com arte na veia e aspiração na alma que Deus ilumine cada dia mais e mais… para que outras gerações possam conhecer sua arte.
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Parabens GRANDE POETA
vc a cada dia nos blindando com poemas tao lindos valeu.
“Olho para as pessoas.
Elas chegam, aproximam-se e passam.
A maioria em passo rápido,
querendo chegar em algum lugar.
Seu interesse é apenas chegar.
E este empurrar de pedras até um certo ponto
cega toda paisagem e a beleza dos caminhos.”
Muito belo!! Parabéns JIVM.
Gosto muito da poesia de JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO. É bonita, limpa, precisa, intensa, livre de kitsch. Na Suíça, os seus livros infelizmente não são disponíveis. Mas no mês de julho vamos visitar o Brasil e vou aproveitar para comprar pelo menos uma obra sua.
Grande Inácio! Parabéns!
Ah, essa poesia linda que acompanha a vida da gente. Caminho de versos que nos encantam. Adoro, admiro e me encanto.
Poeta, não fosse um mal e dos mais terriveis, ainda que esteja entre os mais possíveis, eu diria invejar esta tua caácodade de viajar, por vários universos poéticos, com versos estéticos e cativantes… quando leio um poema teu, me sinto errante num universo de versos , lendo-os até de modo inverso, buscando misterios nas entrelinhas..
Sou teu fã poeta.
A poesia diz de nós e nos diz e isso é maravilhoso!!!
Sim, “O mundo foi feito pra gente andar…” e em nós formiga essa vontade!!! Que lindeza! Parabéns, poeta!!!
Que bela forma de contar sua história poeta, um grande abraço do amigo irmão.