Balada dos 15 anos, na voz de Carlos Moisés, filho de José Inácio Vieira de Melo

 

BALADA DOS 15 ANOS – Poema de José Inácio Vieira de Melo, do livro Entre a estrada e a estrela (Mórula, 2017), do capítulo O mundo foi feito pra gente andar, recitado por Carlos Moisés Soglia de Melo, meu filho, na Pousada do Joe, no Morro de São Paulo, na Ilha de Tinharé, Bahia, no entardecer de 29 janeiro de 2018.
 

 

BALADA DOS QUINZE ANOS
(O MUNDO FOI FEITO PRA GENTE ANDAR)
 
Agora, eu só quero ouvir Bob Dylan
como quem monta numa guitarra
e sai surfando pelas praias de Jacarecica.
 
Havia muita solidão, mas eu era um menino feliz.
Podia correr nu e de olhos fechados
durante toda eternidade,
balizado pela areia e batizado pela água.
 
Sim, havia a sinfonia do mar
e havia também toda uma conquista
que não me levava a lugar nenhum,
mas quem disse que eu queria ir para alguma parte
que não fosse aquela imensa praia
numa madrugada que recebia o sol
e tinha como estandarte a vela de uma jangada solitária,
que era a alma de um homem?
 
E o vento me dizia que eu também tinha uma alma
e que podia ficar ali, daquele jeito,
correndo, correndo, correndo, sem fim,
rumo a mim, porque era só o que eu queria:
ser um potro solto que corria na vastidão do mar.
 
E tudo o que o Mr. Zimmerman me disse,
em suas palavras estrangeiras, acomodaram-se
inteiramente no meu ser, no meu movimento.
 
E a sua gaita é uma gata que mia lindo
e me leva de volta para Outro Mundo,
bem ali, bem perto, para uma noite
de aguardente e cannabis sativa e maresia.
E cada dose de aguardente descarregava
em minha mente toda transparência da Via Láctea
e aí é que pintavam caminhos para o deleite da gente,
eu e uns anjos alucinados, uns Sandros, uns Samuéis.
 
Por isso agora eu só quero ouvir Raimundo Fagner
dizer com toda força e com toda beleza
que “teu zói é a flor da paisagem”.
 
E para quem anda para cima e para baixo
inevitavelmente tem os olhos contaminados
pela paisagem de cada momento.
 
Ainda estou na beira da praia,
correndo para sentir a poesia
da calçada dos meus quinze anos
e esse canto chega até aqui,
bem na porta da casa dos cinquenta,
dando fôlego a este andarilho de joelhos gastos
que ainda transborda frenesi na agulha dos peitos.
 
E esses mundos que se aproximam
e esses tempos que vivi e vi,
estão vencendo um corpo.
 
Mas esse corpo é um dado.
Oh Deus, jogue-me dentro do copo dos tempos,
deixe-me sentir os ecos dos versos de Homero
e lance-me, arco dadaísta,
e lance-me, flecha ao alvo,
em um sertão que me coube e que me move.
 
Olho para as pessoas.
Elas chegam, aproximam-se e passam.
A maioria em passo rápido,
querendo chegar em algum lugar.
Seu interesse é apenas chegar.
E este empurrar de pedras até um certo ponto
cega toda paisagem e a beleza dos caminhos.
 
Por isso prefiro a gaita do Mr. Zimmerman,
prefiro o berro do índio libanês,
prefiro a sinfonia  do mar de Jacarecica,
que me acompanham por todos os caminhos
que meu coração me guia,
 
porque o mundo foi feito pra gente andar,
sentindo a beleza de cada momento
soprada no vento que eu vou respirar.
 
 
 
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural. Publicou oito livros de poemas, dentre eles livros Pedra Só (2012), Sete (2015) e Entre a estrada e a estrela (2017), além das antologias 50 poemas escolhidos pelo autor (2011) e O galope de Ulisses (2014). Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004) e Sangue Novo – 21 poetas baianos do século XXI (2011). Publicou também o livrete Luzeiro (2003) e os cds de poemas A casa dos meus quarenta anos (2008) e Pedra Só (2013). Participa de várias antologias no Brasil e no exterior.
Coordenador e curador de vários eventos literários, como a Praça de Poesia e Cordel, na 9ª, 10ª e 11ª Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011, 2013), em Salvador, o Cabaré Literário, na I Feira Literária Ler Amado, em Ilhéus (2012) e a Flipelô – Festa Literária Internacional do Pelourinho (2017), em Salvador, assim como os projetos Poesia na Boca da Noite (2004 a 2007), em Salvador, Travessia das Palavras (2009 e 2010), em Jequié, e Uma Prosa Sobre Versos (desde 2007), na cidade de Maracás, no Vale do Jiquiriçá. Tem poemas traduzidos para os seguintes idiomas: alemão, árabe, espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano.
E-mail: jivmpoeta@gmail.com
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