Sem Titulo
uma flecha
que pudesse ferir
a pobreza
da condição humana
ou um poema
sua curva – no entanto
iria da hipérbole
ao comedimento
sem em momento algum
segurar entre dedos
o objeto
nem por isso
menos letal
canto da sereia-farol
amor fati que
nos despedaça
ainda assim amor
como posso aprendê-lo
se meus irmãos desejam
meu aniquilamento?
ainda assim é preciso
narrar as antifaçanhas
dos homens tacanhos
que desejam tanto e
se contentam
com tão pouco
e deterioram tudo
o que tocam
arrebatados por sua
própria imagem no espelho
do qual trago comigo
alguns cacos
dolorosos como a verdade
por que os amo?
porque os amo
como o lagarto ama o girassol
e o girassol ama o pintor
gasto minhas tintas ressecadas
com os cegos
entrego minhas orelhas
em sacrifício.
Ossatura
após o extermínio
foi preciso enterrar os mortos
sob a terra profanada mesma
mesmo com os assassinos
andando sobre ela ainda –
indiferentes ao choro
sorriso no canto dos lábios –
ajudaram a cavar as covas
e foram considerados
homens decentes
afinal de contas
todos morremos
mais dia menos dia
as viúvas obtiveram
segundas núpcias
com os estrangeiros
porque afinal de contas
é preciso tocar a vida
criar os filhos
constituir patrimônio
o demônio – no entanto
sempre cobra suas dívidas
e a terra tornou-se estéril
as criações definharam
e o sol calcinou até as pedras
à noite o vento morno
sussurrava uma verdade
enlouquecedora
tornando-as insones
pela manhã todos estavam
exaustos
sob o sol
sobre a terra que
se transmutava em sal
cercados por galhos de carvão
árvores de ossos
a ossatura do corpo
até ela em erosão.
Sem Titulo
Do pai
não restou quase nada
somente um modesto casaco
de punhos puídos
botões díspares e
fios puxados em
alguns pontos
como uma lembrança
precisa de zelo
dado que pode
se desfiar
e desaparecer –
voltar a ser novelo
restou também um trejeito
de sorrir um sorriso enviesado
de acanhamento e melancolia
nos cabelos – um prematuro grisalho
signo da brevidade
do tempo relativo
inscrito
no corpo
restou essa imensidão
a ser explorada
sem instrumentos de navegação
onde a memória destroçada
é uma tábua
(que boia) em que tento
manter-me na superfície
de vorazes vagas
que engolem o passado
cuspindo ao futuro
a ausência.
Luiz Carlos Quirino. Residente em Porto Alegre. Rio Grande do Sul.
Autor de poemas e contos que publicava em um blog já não existente.
Publicou em 2017 um conto na coletânea realizada pelo SENALBA/RS e uma plaquete com 25 poemas sob o título de “Seremos destruídos pelo princípio da não contradição”.
E-mail: luizcabelo1@hotmail.com
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