SANTA LOUCURA
Santa Loucura,
te aceito com tuas palmas largas,
com tuas fossas negras,
hálito de cães.
Santa Loucura,
apascenta os sós
que permanecem na tua procura.
E depois de ti
esconde- nos das réguas
e compassos,
na sutil diafaneidade
das plantas na areia
dos espaços
sem areia.
Influencia os nemos nos vazios
dos caos orbitais,
das terras onde as bombas
eram capitais de exílios.
Por isso reacenda à mão
o pleno uso dos irmãos,
que precisam cavalgar nas
algazarras vorazes,
todas as chaves e chamas
de ombros, ou decamerons,
horrores de travestidos em furiosas vadiagens.
Santa Mãe do Nada,
nada adianta na tua
penumbra
a sombra arquitetônica
de espumas.
Cumpra o rito alto
da paixão envolta
de carnavais e fúrias.
Graças às tuas desgraças,
às tuas andanças
e palavras, Santa dos Escárnios,
chegas à noite dos homens.
Nasceste da noite das mulheres- facas
e navalhadas, embora sintas
e renoves no entardecer- mourisco-
o sol róseo que me fez
nascer só de novo,
em trevas.
Santa, Santa das Ondas
dos mares revoltos,
procuro – te na fonte dos olhos,
no solilóquio perdiz
de coisa alguma;
Mãe das Ancas
e flexões de meninas,
que são absurdas
mais que felizmente.
Completa os anos
de turbulência, Santa das
Causas Sem Casas,
dos biombos imeritórios,
dos refúgios atrasados,
no vento que tu persegues,
na água que não nasce
em parte alguma.
A espera,
desistindo dos
homens e mulheres,
– a loucura, tua,
Santa Loucura,
que deslimita-te
na tua própria fuga,
tua ruga vazia
centrifugando
sempre,
rosnando
os ossos infinitos
de que te nevam.
Santa, Santa Loucura
à procura de todos
que te vestiram;
verte, diviniza o ódio
e aplaca o não desumano
antes de seres
irmã e mãe,
pai e filho,
tentador e tentado
de todas as coexistências
inúteis ou absolutas
do sangue e dos ábacos,
das incriaturas
desiludidas
do espaço.
Os que carregam
mais que carmas,
símbolos
e signos,
entesourados
nos olhos
fechados
de quem sempre
te vê e viu
e sem forças
e puramente te pariu.
Saúda, Mãe Insidiosa,
a contento,
todos os viventes.
Santa Mãe das Eras,
que se perdoarão ainda
no fim
de todos
nós,
morrentes.
GUERNUNCA
1
No retângulo, o fabuloso cortejo
de feridas cinzas indefensáveis; estas
nos fitam. Meus andrajos coabitam meus olhos
em pânico.
Confluir no espaço o amadurecer
do sangue seco e agônico do tempo resumido
arvora-se na noite vaga e cruel
suplicante
pelo dia esquecido
na nudez dos corpos apodrecidos.
Em seu destino resumido, cavalga o retângulo e seu
retábulo no seu contínuo uso diário em exposição,
o símbolo da delicadeza jaz morto.
O corpo rude do guerreiro sem o sol
que nos faz iluminados e recortados
jaz no solo que não se faz poroso, não
o assimila. Não o explica, se livra
e nos livrará nesse olhar vazio,
– corpo quebrado pelas dúvidas-
todo ele partido pelas estacadas do coração extraído.
Distraindo – nos pelo olhar
que se funde ao confuso dom de sermos
quase irmãos?
Pois nascemos da fome, sua espera ,
sua noite, numa morte configurada pela magreza das forças,
despojadas das certezas absolutas- na palavra que arde arte.
Arte: dialoga no fundo das poças
na maré causada pela refluência das marés inexistentes,
causadas pela mesma consistência do
sangue em seu estado cinza.
Aparências desiguais, transfusões
em comandos seduzidos
pelos icônicos homens atômicos
distribuídos pelos olhos, seus vários olhares, sob a pele
do espanto:
– estes nos olham sob seu aparato
fosco, nudez do pranto e comendo sobre
estas patas de cavalo gastos por voar.
Aço pendente em cascos rápidos, em espaços
novos e antigos no mesmo jogo
-poderemos vencer e ser a mercadoria
vivente a sermos
violentados e
ausentes, nas flechadas que nutrem
as ciências?
A arte de naufragarmos
retoca o retângulo amargo do medo,
tende sua rede a ser o sereno dessa noite chuvosa,
madrugada e seus frutos caindo sobre a cidade sobrepesada.
Madrugada – o alvo silente desencanta,
como alvo inaugural,
explodindo no seu templo
nas explosões que não
dormem
cumpre ser
botina e o exercício dos milicos
em seus olhos comuns
fitando nas notas borrões, tintas,fetos, ossos e a carne
na álgebra
da finalidade em seco,
surdo
mudo
desse fim de mundo
chamando e sabendo sempre nossos nomes.
2
O retrato da mãe, tantas mães
têm seus retratos
esquecidos, menos
por aqueles que notam
os que nelas em nós morrem.
Retratos embrutecidos,
retratos de alma e corpos
nos braços
sempre à sua espera movediça.
Espera, nada se cumpre
a discórdia daqueles,
daqueles que disparam a bala, a bomba
em seus blocos e anotações curiosas…
Ou na notícia evolam,
somem sem carícias,
mortas na memória,
no rogo capaz de vidas
– na morte e distraída,
sem de repentes ou talvez.
As portas foram-se
naturalmente comportam
janelas, mas é o grito
que abre e fecha
as bocas, as fábricas;
é o grito que destampa
a noite feroz em guerras.
3
Touros, bisões, força – bruta,
refazendo suas visões noturnas
passeando pelas televisões, hoje, e nunca.
Óbolos conquistados nos labirintos.
E seu fim acompanha os lamentos diagonais.
Abocanha esta estranhada estrutura,
estatura do medo de todos nós,
contornado pelo traço negro do ódio,
vitrificado pelo gelo cinza e prateado,
desses que nasceram no lamento.
Visões à prova de vida,
renderão à prisão
a saída em sigilo, cujo
centro emito a sua proteção,
e estava escondido na mão
do seu autor – no significado do escorpião,
em cada um,
na destruição e reconstrução
de tantos outros autores que por princípio
revelaram-se e revelam-se,
nas circunstâncias,
contraditas:
– Plutão.
Ancestrais dessa tristeza, chamem
a chama extinta
e negativada,
do seio já sem leite,
O menino flácido
pelo torpor da densidade
da morte.
Sua mãe chorando
em tuas patas de touro
pisando os dias felizes
que mais não há.
Nesta noite recordamos
o corpo teso de cavalo, ampulheta
no solo obeso de mais corpos.
Sem qualquer cavaleiro.
4
Os hinos cantados
tornam-se dor nos
interiores dos cansaços.
Hinos, previsões das cortinas exaustas,
luzes sumindo no tempo
dos capuzes e máscaras mortuárias;
hinos rompantes de outros tempos;
hinos mostrando
a fusão dos grandes em esmagar,
sem armas, os pequenos armados
de seus cantos amadores.
De suas vozes
sigam, persigam novamente nesta noite;
estes, estas vozes
caminhando ao combinar suas vozes
e nascendo no chão ausente, cavado por explosões
o exílio dentro das bocas
cortando calor e amor e dor,
no escarro sorvido sem saber anunciar
ao serem
donos
dessas vozes;
vozes
corroendo
e destilando o amor,
no ódio rudimentar que tenta
o extermínio
de todas
as vozes.
5
A mulher recai
sempre
no
espaço: no ar,
por segundos
ou milênios, tenta
sangrar- nada poderá fazer
ao desatar-se.
Seu efeito, sua causa usa na
na forma intensa
de ser : mulher, mãe, irmã,
alma, noite, ocasião, ocaso também,
da manhã – na parte onde
se escondem as
armas.
O amor louco que tivera
não interessará a mais ninguém…
Na noite em sua fuga
rumo à morte,
condenada, no edifício,
-grita:
somente pode gritar,
que seu grito não chegará a
nenhum lugar,
lugar nenhum,
nenhum lugar.
Que seu grito sumirá
no infinito.
E seu grito terá
conotações de noites insones,
de mulher aflita, cozida
pela fome
da noite em sua ilha
de filhos ausentes.
Sem quem a escute,
seu grito seguirá
no vazio nu,
sem direções,
sem Norte,
sem quem soubesse,
o que se grita.
E negará seu grito
sem corpo possível,
sem a fórmula repensada.
Gritará, e gritará
– e gritará,
e gritaremos.
6
Lâmpadas, olhar, veem na
rua a claridade.
Luz ensimesmada e artificial.
Arde o dia na sua intensa e madura inveja,
na sombra da lâmpada da noite,
desta noite.
O olho, esta lâmpada, cumprindo
estruturas e pirâmides,
tem a fosca pretensão
de ser na sua imprecisão,
de ser nada na presença neste palco,
descortinando,
pois,
o lume de sua
ilusão.
Os olhos doem, ao se
afastarem
e mostrando
demasiada realidade, e
norteando como ao preenchimento
de outras formas,
o que corroem o coração.
Tornemos a contemplar
este olho – não nos vê, apenas,
escapa por entre seus brilhos
a fosforescência dos ritos humanos.
Na completa exibição
dos conflitos em sua exata noite.
Destaca e faz-se norma absoluta e regra dessa guerra,
em sua palavra dita pela imagem,
redita pelo cinza,
transfundida por nada: -o medo.
A barbárie
desse segredo revela-se,
na noite
desse retângulo,
exato, cinzento, miraculosos,
retalhado;
-nestes cortes e o espetáculo
do ódio à vida,
do medo à vida,
é quase um discípulo
em que se desprendem
e pedem
à mensagem
sua imensidade
e dissolução.
Repetidas, repetidas, repetidas, ao
despistar a mesmíssima repetição.
7
Os homens não brigaram
pela noite,
venderão esta pelo
reduzido e fugaz
rumor do inimigo.
Nem querem o inimigo,
nem quer que este se figure
em:
AMOR, ABRIGO, TERNURA, SONHO- segredos
infinitos, sem nascerem do dolo;
têm estes,
qualquer um à mão estes
segredos…
Nenhum dono os contêm
-exclusivos.
Rompem, assim, nestas
cadeias, nesta
noite voraz
margeando outras,
e outros carrascos -carrascos novos-
no coração embrutecido, o mundo
contumaz, absurdo desse dilúvio,
desse sangue
cauterizado pela violência
e, soturno, na imagem.
E assimilando pelos ódios
a morte
e sua indústria iridescente,
que nasce
e renascerá sobre si próprio.
Florescerá, ainda hoje, na noite
como densa e escura
floresta.
O ódio que se manifesta
como um quadro
para sua
real exposição.
LÁ FORA
Sim, eles estão lá fora.
Estão
lá fora.
Eles que compreendem,
que sentem odores,
nos domingos atentos,
são esparsos,
espessos,
são todos
– estão lá fora.
Como relances
de extrema-unção
– estão todos lá.
Vivem todos,
estão
lá fora.
Como urgentes
bichos ausentes,
tubarões sem oceanos.
São temas de livros,
de poesias em bíblias,
vazias,
épicos,
decálogos, cíclopes
manifestos.
Sim, estão todos lá,
lá fora.
Cumprindo sua missão:
ao vivo espantam
os seres
sem dimensão.
Estão eles lá fora.
Espessos, cobertos
da tinta
e da noite insone,
toda ela amputada
de dor e limbo.
Eles estão lá fora,
calados,
me veem entrecalado
com o copo vazio.
na mão.
Estão
esperando,
acordados,
e dando o nome
exato
a esta,
a nossas sombras
sem sensação.
– Estão – sim – lá fora,
e silenciosos, devoram
com dentes
novos
a nossa
entrecortada
respiração.
LAMPROS, Nestor. Roupagem Leve. 1ªEdição. SP. Editora Patuá, 2012. Pág. 128-130.
Nestor Lampros é escritor, arte-educador, artista gráfico, artista plástico e cartunista.
Nascido em 1971, em São Paulo, no ano de 1972 veio para Atibaia com seus pais,
Lukas Lampros e Hissae Isejima, ambos artistas plásticos e publicitários.
Várias vezes foi o primeiro colocado no Concurso de Contos e Poesias em
Atibaia. Duas vezes premiado no Mapa Cultural Paulista, na modalidade poesia, em 2004 e 2008. Duas vezes premiado no concurso de poesia da cidade de Paranavaí (2012-2013). Participou de várias exposições, como artista plástico, em Atibaia, e fora dela. Trabalha como artista plástico há mais de vinte anos, expondo seus trabalhos tanto em Atibaia como fora da cidade. Criou ilustrações de livros e revistas para editoras,tais como
Ática, Editora Três, Patuá, Revista Cult e Prefeitura de Atibaia.
É membro-fundador da Academia Literária Atibaiense (ALA), 1999. É membro do coletivo Kalúnia, de literatura(2018).
Nestor Lampros é formado em Letras pela FESB, de Bragança Paulista,2005. No ano de
2009 concluiu o curso de pós-graduação em Arte-Educação nas Faculdades de
Atibaia–FAAT.
O livro de poemas Roupagem Leve agora chega às mãos do leitor por ter sido escolhido pelo Prêmio Atibaia de Estímulo a Literatura – 2011 para publicação Literária patrocinado pela Prefeitura de Atibaia.
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