O GRITO
P/ Allen Ginsberg (sob a luz de Claudio Willer) & Macunaíma !
Eu grito na orelha do Cristo
palavras descompassadas
sonetos desfigurados
sons neandertais
Eu grito na orelha do Cristo
meu sexo & o meu sossego
meus ritos e meus encantos
minhas predileções
Eu grito na orelha do Cristo
seis versos encandecidos
a reza de minha mãe d’agua
os escândalos dos guzerás
Eu grito na orelha do Cristo
quando me falta o silêncio
quando o corpo se faz presente
& me fode & me tira a paz.
m e u v e r s o é v í s c e r a&vice&versa.
perigo é acertar na profecia
ter as mãos sujas de sangue
e não se lembrar da apunhalada
caminhar campos dilacerados
sujando os sapatos de lama
enquanto os segura nas mãos
cortar a raiz pelo mal
e se esquecer de onde a deixou
fazer um chá com o fruto
do pecado e escancarar
os dentes da memória
correr as léguas necessárias
para se perder do tempo
vestir nas mãos as luvas
cor de girasol-encanto
ver todas as flores ao avesso
perigo é a vida da viúva jovem, o seu tear e sua escova de cabelos/ os seus lábios secos e sua mente inquieta/ é a chaga na escala dos acordes maiores/ que torna a música absurda e violenta / é ter a chance de partir pra nunca mais voltar/ e escolher a monotonia de regar as plantas do jardim de nossa inocência/ cair fino como garoa em dias de verão/se perder nas curvas da noite estrelada/ olhar pra tela do Picasso e não se reconhecer/ comer terra e vomitar maconha/ carpir a areia da praia e cavar um buraco mais fundo que o verso.
perigo
é
ter
nas vísceras apenas o pó
dos dias anteriores
singrar rios quentes em ebulição e sentir frio na barriga
cor
tar o verso em partes
com o desejo de vê
-lo sangrar
cantar vitória
três dias antes da hora
e jogar o vento no cabelo
contar moedas por horas
e perde-las pr’um bolso furado
comer fruta madura que amarra a língua
cair na mesma armadilha que acabou de desarmar
A OUTRA FACE
do lado de lá as plantas cheiravam a escorbuto
o plano bruto não desfazia as
castas
os homens castos não arrancavam as
cascas
corriam feito cavalos selvagens
na relva da manhã sangrenta
Aqui também o sol acaba de nascer
e as nuvens rubras hipnotizam
me deixam atordoado
mas eu estou de pé, no topo do mundo
a observar as maritacas
eu finalmente posso beber a vida numa só
golada e gorfar os pentelhos dos santos
posso foder a bruxa
e aprender todos os sinais de Saturno
agora só chamo a estrela pelo nome
e as flores de meu bem
hoje suspiro doce
e como a carne do assum preto
agora sinto que posso
finalmente gralhar
“nunca mais”.
Leonardo Chagas (1996) é estudante de literatura na USP, organiza um grupo de estudos do surrealismo que tem como princípio reuniões abertas em espaços públicos da cidade de São Paulo, e transita entre Franco da Rocha e São Paulo diariamente através das estradas de ferro. Atualmente se empenha em seu primeiro projeto poético: Cosmos/ Cacos & se embriaga sobretudo das poéticas anárquicas beat-surreais.
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