Foto de André Kondo durante a peregrinação das folhas caídas, Túmulo de Jack Kerouac, Cemitério Edson, Lowell)
On the road
É o que nos resta:
correr em direção ao oeste
antes que o sol morra
e correr rápido, o mais rápido que impossível.
Leio a estrada
nas rodoviárias e nos bancos dos ônibus que partem de Port Authority
ou de Boston ou de Baltimore
para os cantos da América;
e a jovem mãe abandona por alguns minutos
o seu bebê em cima da bagagem
– para guardar seu lugar no mundo –
e vai fumar um cigarro;
dois homens se agarram no banheiro,
enquanto alguém cantarola alguma música
sobre algum lugar além do arco-íris
na privada;
e gazeteio pelos longos campos na vadia pastagem dos dias;
conto as folhas amarelas, vermelhas
das árvores que se despem
para fazer amor com o outono.
E vejo tudo da minha janela;
lá fora as cidades perdem a cintilância
e toda a América cabe no ônibus;
o cara sem sorriso bota a mochila no assento ao lado
pra ninguém se sentar ali – quer viajar sozinho –
e ele não sabe que já faz isso com ou sem alguém ao seu lado?
Crianças chutam o encosto da cadeira à frente,
e as mães dão risadinhas ao celular,
falando mal dos filhos dos outros,
e uma mulher viaja sem desgrudar os olhos da janela,
para o próprio reflexo triste e opaco – preso
na transparência ilusória.
E ninguém se importa com a viagem do outro,
mesmo sabendo que o destino
é o mesmo.
Sempre o mesmo.
Resta-nos a estrada…
e uma passagem
só de ida.
Sem qualquer reembolso.
(Poema do livro A peregrinação das folhas caídas, Telucazu Edições 2018, Prêmio Vicente de Carvalho – UBE-RJ e Bolsa de Criação Literária do ProAC – Governo de São Paulo)
A casa que habito
A casa que habito
não tem lembranças nos ladrilhos
não tem porta presente
porão de passado
janela para o futuro
Na casa que habito
as notícias não passam da soleira
com o irônico capacho de bem-vindo
– todos pisam na hospitalidade
e beijam a porta na cara –
as ‘novidades’ amarelam do lado de fora
e são abandonadas em alheias varandas
que o mundo insiste em enganar
com tragédias velhas
repetidas à exaustão
Na casa que habito
ouço o sussurro das tábuas
o gemer dos pregos
nada é concreto – tudo é devaneio
acredito em papais noéis
só não tenho chaminés
Na sala há uma cadeira de balanço
que só vai e nunca volta
no quarto, uma cama de casal solteira
com uma mancha de arrependimento no lençol
na cozinha, o relógio está sempre faminto
com os ponteiros devorando as madrugadas
e regurgitando escuridões nas horas de luz
A torneira da pia do banheiro
goteja solidões
a banheira é colo, o corpo nu fetal
o eco dos azulejos embaçados
e o choro primordial
de um parto sem útero
A casa que habito
não está em rua alguma
encontra-se em um eu desconhecido
na Alameda dos Ausentes,
sem número.
pequenas poesias
uma folha
brinca sozinha
dando cambalhotas
de outono
um caramujo
deixa um rastro de atrasos
sem se preocupar
com a pressa do mundo
um riacho de silêncios
murmura respostas
para perguntas
não feitas
o reflexo
da lua
em uma poça d’água
sonho de marés
uma gaiola
vazia
guarda
voos
(Poemas do livro Cem pequenas poesias do dia a dia, Telucazu Edições 2016 – 2.ª edição, Prêmio de Literatura Unifor)
André Kondo é autor de O Pequeno Samurai (finalista do Prêmio Jabuti e M. H. Prêmio João-de-Barro), Além do Horizonte, Amor sem Fronteiras (Prêmio Paulo Mendes Campos – UBE-RJ), Contos do Sol Nascente (Prêmio Bunkyo, M.H. Prêmio Esfera das Letras – Portugal e Prêmio ProAC), Cem pequenas poesias do dia a dia (Prêmio UNIFOR), Palavras de Areia (Prêmio Alejandro Cabassa – UBE-RJ e Prêmio Estímulo de Cultura), Jabuti sabe voar? (Prêmio Maria Osternach Pedroso), Alguém viu minha mãe? (Prêmio CEPE), Contos do Sol Renascente (Prêmio Humberto de Campos – UBE-RJ) e A Peregrinação das Folhas Caídas (Prêmio Vicente de Carvalho – UBE-RJ e Bolsa de Criação Literária do ProAC – Governo de São Paulo). Recebeu mais de 300 prêmios literários. É pós-graduado pela University of Sydney, Austrália, tendo viajado por mais de 60 países em busca de inspiração. Vive de Literatura. Site: www.andrekondo.com
Fantástico no entanto, eu era querendo saber se você poderia
escrever um pouco mais sobre este assunto? Eu seria muito
grato se você poderia elaborar um pouco mais. Saúde!
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