pileque
manhã absurda
acordo bêbado de poesia
engulhando versos
na cabeça nevoenta
vertigem de palavras
esboroam nas trovas
nuas do silêncio
desarmônicas sentenças
entorpecidas cambaleiam
pelas esquinas
das vírgulas de mim
arroto reticências
tentando guspir um ponto final
que viscoso se me apega a língua
e se alongam numa
saliva sem rima
talvez isso seja o poema.
vírgulas
grandes mistérios
da vida
estão escritos
no mundo
separados
por virgula
grandes mistérios
do mundo
estão escritos
na vida
separados
por escritos
grandes mistérios
das vidas
estão escritos
nas vírgulas
separados
por mundos
grandes mistérios
vírgula.
Paraneia
…ele arquejava agonizando
– Pode falar de morte e de vida na mesma estrofe?
…ele arquejava
o sangue jorrava da boca em verde cascata
– Pode mandar para o inferno
os senhores:
Roland Barthes, Gerard Genette e Levi Straus?
(e que vá o professor também para o inferno)
…ele arquejava, os olhos baços de quem
quase nada quer
Quando eu era menino gostava de brincar
nas grandes casas vazias
para sentir o cheiro de tinta fresca
e brincar com o eco de minha voz
repetindo
repetindo
rep
…ele morria jogado no chão
– Pode morrer alguém de súbito numa rima?
Já tive uma amante nojenta
que saiu pulando pelada
depois que fez amor comigo
(logo naquela noite que eu estava tão romântico…)
– Pode fazer anarquia no verso?
Aquele passarinho morto na mão de meu pai
é o quadro que Portinari não pintou
Um dia, um palhaço quis voar e pediu
as asas a uma borboleta
a borboleta morreu de rir
o palhaço morreu no chão
Sabe aquela estrela mais gorda no céu?
Ela é minha, vou fugir pra lá
quando ficar famoso
só para não dar entrevistas
– Pode ficar doido no soneto?
Aí ela me olhou longamente
apagou o cigarro e me disse uma frase de Descartes
(a frase já esqueci, mas não consigo esquecer
como ela estava bonita naquele dia)
é preciso falar de saudade
nessa porcaria de poesia
senão não tem graça:
Quando faz noite fria me lembro dela
…ele morreu de bruços
na calçada com uma facada nas costas
choveu muito e eu fui pra rua
gosto de ficar todo chovido
(porque água e poesia matam
a quem não sabe brincar com elas, sei disso)
Agora vou falar do meu amor
para acabar esse poema direitinho:
ela é meu mar de ondas
que vão e que vêm
Eu sou o rochedo náufrago
Tentado me afogar mas não consigo
– Será que podia falar de amor nesse poema, gente?
Adeivan Barbosa Ferreira é carioca suburbano, nascido em 1949, licenciado em Português e Literatura pela FEUC, RJ.
Lançou Subverso (1986). Depois de um longo hiato sabático, voltou a expor sua literatura no concurso Talentos da Maturidade Santander de 2009, onde também alcançou máxima premiação.
Com muitas obras na gaveta, aguarda lançamento de “Amor à Bangu”. Apesar de inspirado no bairro onde nasceu, é escrito de forma universal, o misto de poemas e contos, nos quais, por vezes, nos encontramos.
Outros livros também esperam publicação em breve, devassando assim esse universo poético desconhecido ao grande público.
Muito bom!
Gostaria de conhecer mais obras dele!
Um abraço!