Mundos
I
Solidão — esse é o nome
do mundo a que pertenço.
Entre milhões, solitário,
carrego a vida in progress
e um projeto de morte.
Sem plano de voo que o valha,
entrego-me a tal desdita
como quem se fizesse escravo.
II
No trajeto me deparo
com seres também solitários.
Traçamos, então, paralelas
que insistimos trilhar.
Mesmo que olhares, mãos,
gozos e outras ânsias
se cruzem por linhas incertas.
[Pois solidões que se toquem
ainda serão solidões.]
III
De onde vem o solitário?
Qual a linhagem? a essência?
o ponto de interseção?
A resposta, em parte,
acaba por revelar-se
na face de cada um:
o solitário, por certo,
vem de outro mundo
— o de dentro.
O resto é só disfarce.
Sobre dores e abandonos
I
Tua dor é a minha morada.
Mas sou bêbado errante,
à procura de um bálsamo.
Estar contigo
é definir meu lugar no mundo.
[Como um animal ferido
que vislumbrasse sombra
à beira de um rio de água límpida
e numa pedra repousasse a cabeça,
à espera do fim.]
II
Não sei quem és.
Nem sei quem sou.
[Busco respostas na poesia,
mas a poesia é inútil.]
Nós dois: o munduniverso.
[Falácia que inventei
como um ponto de fuga
— mas a palavra, em si,
é também um labirinto.]
III
Por mais que eu percorra desvios,
esquinas, becos, outros corpos,
sempre volto ao não-lugar
em que te escondes de mim
[e, ensimesmada, de ti].
IV
Resigno-me, tal cordeiro
[eu, que nem sou dado
a essas metáforas tolas],
e me quedo, silente.
Se há saída, não sei.
Aliás, não me interessa:
há muito deixei ao acaso
a direção dos meus passos.
V
O que desejo, enfim,
é o sono tranquilo e inocente
dos calhordas.
E acordar sem cansaço ou culpa.
Ou ainda, quando insone,
acender um cigarro
[eu, que nem fumo]
e, pela janela do milésimo andar,
entre uma baforada e outra,
ver a cidade diluir-se
em luzes e abandonos.
E seguir a dança imprecisa
da fumaça
a tecer teu holograma-esfinge,
que se esvai entre meus dedos,
na impossibilidade mesma
do toque.
Caudal
Singro o rio multifário
das verdades ocultas,
das hordas dissimuladas
desses homens absurdos.
Sinto-me também absurdo,
nestas águas de clausura.
E tanto — sutil paradoxo —,
que me liquefaço, inerme,
pela correnteza atroz.
Para que nasça, de mim,
um ser que resuma tantos,
como parte da carência,
como projeção em outros
tão iguais e tão diferentes
entre si, entre todos. Entre
fios de redes ancestrais,
que submetem ao destempo.
Este rio caudal, que anseia
um mar sereno (horizonte
obliterado): deságue
de seus veios transversais,
repletos de anomalias
em corpos boiando no limbo,
com a alma dilacerada
pela negação e o desdém
de seres também anômalos.
Estranho que sou, de mim.
Eles (o espelho que evito)
me cindem e me englobam.
Eles me são. Enquanto sangro,
nas vagas da incompletude.
Às vezes, em versos vãos;
noutras, em orgasmos tristes
(gestos vagos, pela ausência
de um olhar que os ilumine).
Esperança per se:
seres em si e nos outros.
Mãos que, assim, delineiem
um mar ainda possível.
Edelson Nagues é natural de Rondonópolis/MT e radicado em Brasília/DF. Poeta, escritor, revisor de textos e servidor público, ganhou vários prêmios em concursos literários nacionais e tem contos, poemas, resenhas e artigos publicados em diversos portais da internet, tais como: Zunái, Mallarmargens, Germina, Musa Rara, Samizdat, Revista Biografia, Recantos da Letras, Poetas S/A e Revista ContempoArtes, entre outros. Publicou, pela Editora Scortecci, os livros Humanos, de contos, e Águas de clausura, de poesia (vencedor do X Prêmio Literário Asabeça). É coautor do CD Anad Rao musica poemas de Edelson Nagues. Em 2015, organizou a coletânea de contos Respeitável público: histórias de circo e outras tragédias (Editora Penalux). Das várias antologias de que participa, destacam-se: :Horas partidas, de contos, organizada por Henriette Effenberger (Ed. Penalux), e Tanto mar sem céu, de poesia, organizada por Claudio Daniel (Lumme Editor).
Contato: https://www.facebook.com/edelson.nagues
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Li os belos poemas do Edelson, muito me regalei de poder conhecer mais de seus escritos.
Talvez me anime a publicar os meus. Obrigada
Obrigado pela leitura e pelo comentário, Gerci. Fico feliz por vc ter gostado. E publique os seus poemas, sim. Com certeza a leitura deles nos trará mto deleite. Abraço.
Faz tempo que não vejo iguais… Reluziram no meio das pedras… Obrigada pelo belo presente! Saudações!
Que bom que meus poemas falaram com você, Ana! Obrigado pelas belas palavras. Saudações poéticas!