Três poemas de Edelson Nagues

 EDELSON NAGUES 300x300 - Três poemas de Edelson Nagues

 

 

Mundos
                I
 
Solidão — esse é o nome
do mundo a que pertenço.
 
Entre milhões, solitário,
carrego a vida in progress
e um projeto de morte.
 
Sem plano de voo que o valha,
entrego-me a tal desdita
como  quem se fizesse escravo.
 
                II
 
No trajeto me deparo
com seres também solitários.
Traçamos, então, paralelas
que insistimos trilhar.
Mesmo que olhares, mãos,
gozos e outras ânsias
se cruzem por linhas incertas.
 
[Pois solidões que se toquem
ainda serão solidões.]
 
              III
 
De onde vem o solitário?
Qual a linhagem? a essência?
o ponto de interseção?
 
A resposta, em parte,
acaba por revelar-se
na face de cada um:
 
o solitário, por certo,
vem de outro mundo
— o de dentro.
 
O resto é só disfarce.
 
 
 
 
Sobre dores e abandonos
 
                   I                                     
 
Tua dor é a minha morada.
Mas sou bêbado errante,
à procura de  um bálsamo.
 
Estar contigo
é definir meu lugar no mundo.
[Como um animal ferido
que vislumbrasse sombra
à beira de um rio de água límpida
e numa pedra repousasse a cabeça,
                             à espera do fim.]
 
                  II
 
Não sei quem és.
Nem sei quem sou.
[Busco respostas na poesia,
mas a poesia é inútil.]
 
Nós dois: o munduniverso.
[Falácia que inventei
como um ponto de fuga
— mas a palavra, em si,
é também um labirinto.]
 
                  III
 
Por mais que eu percorra desvios,
esquinas, becos, outros corpos,
sempre volto ao não-lugar
em que te escondes de mim
[e, ensimesmada, de ti].
                
                  IV
 
Resigno-me, tal cordeiro
[eu, que nem sou dado
a essas metáforas tolas],
e me quedo, silente.
 
Se há saída, não sei.
Aliás, não me interessa:
há muito deixei ao acaso
a direção dos meus passos.
 
                V
 
O que desejo, enfim,
é o sono tranquilo e inocente
                                dos calhordas.
E acordar sem cansaço ou culpa.
 
Ou ainda, quando insone,
acender um cigarro
[eu, que nem fumo]
e, pela janela do milésimo andar,
entre uma baforada e outra,
ver a cidade diluir-se
                 em luzes e abandonos.
E seguir a dança imprecisa
                                  da fumaça
a tecer teu holograma-esfinge,
que se esvai entre meus dedos,
na impossibilidade  mesma
                                  do toque.
 
 
     
    
       Caudal
 
 
Singro o rio multifário
das verdades ocultas,
das hordas dissimuladas
desses homens absurdos.
Sinto-me também absurdo,
nestas águas de clausura.
E tanto — sutil paradoxo —,
que me liquefaço, inerme,
pela correnteza atroz.
Para que nasça, de mim,
um ser que resuma tantos,
como parte da carência,
como projeção em outros
tão iguais e tão diferentes
entre si, entre todos. Entre
fios de redes ancestrais,
que submetem ao destempo.
Este rio caudal, que anseia
um mar sereno (horizonte
obliterado): deságue
de seus veios transversais,
repletos de anomalias
em corpos boiando no limbo,
com a alma dilacerada 
pela negação e o desdém
de seres também anômalos.
Estranho que sou, de mim.
Eles (o espelho que evito)
me cindem e me englobam.
Eles me são. Enquanto sangro,
nas vagas da incompletude.
Às vezes, em versos vãos;
noutras, em orgasmos tristes
(gestos vagos, pela ausência
de um olhar que os ilumine).
 
Esperança per se:
seres em si e nos outros.
Mãos que, assim, delineiem
um mar ainda possível.
 
 

 

Edelson Nagues é natural de Rondonópolis/MT e radicado em Brasília/DF. Poeta, escritor, revisor de textos e servidor público, ganhou vários prêmios em concursos literários nacionais e tem contos, poemas, resenhas e artigos publicados em diversos portais da internet, tais como: Zunái, Mallarmargens, Germina, Musa Rara, Samizdat, Revista Biografia, Recantos da Letras, Poetas S/A e Revista ContempoArtes, entre outros. Publicou, pela Editora Scortecci, os livros Humanos, de contos, e Águas de clausura, de poesia (vencedor do X Prêmio Literário Asabeça). É coautor do CD Anad Rao musica poemas de Edelson Nagues. Em 2015, organizou a coletânea de contos Respeitável público: histórias de circo e outras tragédias (Editora Penalux). Das várias antologias  de que participa, destacam-se: :Horas partidas, de contos, organizada por Henriette Effenberger (Ed. Penalux), e Tanto mar sem céu, de poesia, organizada por Claudio Daniel (Lumme Editor).
 
Contato: https://www.facebook.com/edelson.nagues
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This Article Has 4 Comments
  1. Gerci Oliveira Godoy Reply

    Li os belos poemas do Edelson, muito me regalei de poder conhecer mais de seus escritos.
    Talvez me anime a publicar os meus. Obrigada

  2. Edelson Nagues Reply

    Obrigado pela leitura e pelo comentário, Gerci. Fico feliz por vc ter gostado. E publique os seus poemas, sim. Com certeza a leitura deles nos trará mto deleite. Abraço.

  3. Ana Reply

    Faz tempo que não vejo iguais… Reluziram no meio das pedras… Obrigada pelo belo presente! Saudações!

    • Edelson Nagues Reply

      Que bom que meus poemas falaram com você, Ana! Obrigado pelas belas palavras. Saudações poéticas!

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