FEELING BLUES
Seguimos assim
escrevendo poemas ruins
para as mulheres que nos deixam felizes
e obras-primas
para as que nos deixam
UM LIVRO DE POESIA NA GAVETA NÃO ADIANTA NADA*
* Verso da música “Cada lugar na sua coisa”- Sérgio Sampaio
Tem esses papéis na gaveta
que você nunca vai ler
que eu até me esforcei pra fazer uma caligrafia bonita
com arroubos de anarquia e poesia
e aí eu ficaria esperando ansioso pela carta que você me enviaria
em resposta a essas cartas em que despejei todo meu sentimento
e a boa parte da minha alma
O papel todo surrado…
Agora ando por aí,
com a parte ruim da minha alma
ela segue roubando uns tragos do meu whisky
arruinando minhas jogadas no bilhar
estourando as cordas do meu violão
riscando meus discos com cacos de vidro
das garrafas esquecidas perto do sofá.
e todo o resto lá, trancafiado na gaveta.
entre as cartas que eu nunca vou te enviar
não sei teu endereço
pra falar a verdade,
eu mal te conheço.
RAGTIME
Nós dançávamos velhos Ragtimes na calçada
em frente a esse restaurante que já não tem mais aquele majestoso piano de calda
toda sexta-feira tinha esse pianista que tocava Ragtimes
e emendava uns Blues tristes pra caralho
a gente gosta disso
dessa aura melancólica
melodias blueseadas deslizando como fumaça no ambiente
E a gente comprava cervejas no mercado e sentava na calçada desse restaurante
não conversávamos só ouvíamos atentamente o som que escapava pela janela
e dávamos risada daquelas caras pálidas sentadas à mesa
outro dia você ouviu uma música do Tom Waits e me disse que
a voz de Deus devia ser assim
eu retruquei dizendo que aquilo era o resultado de anos lapidando a voz
com whisky e cigarros
e Deus não teria essa manha
você deu risada
um trago no whisky
e acendeu mais um cigarro
quando começava a tocar um Ragtime seus olhos brilhavam
eu levantava bebadamente e te tirava pra dançar
você tá bêbada assim como eu e tropeça mas logo começa a dançar
leve e suave como nem o vento consegue ser
as deusas devem dançar assim
uma hora você se desequilibra e eu te seguro firme entre meus braços
e ficamos lá se equilibrando no meio-fio da vida
a rua é toda silêncios e luzes amarelas
um mendigo bêbado vomita num poste alguns metros à nossa frente
olhamos nos olhos um do outro
como num filme mudo não precisamos dizer nada
e ficamos até o fim da madrugada
personagens desse filme
que sempre termina
antes do sol nascer.
Edivaldo Ferreira nasceu em 1992 na zona leste de São Paulo. Escritor e tradutor (inglês-português), em 2016 publicou seu primeiro livro “Ragtimes, beijos na nuca & buracos no peito” (poesia) pela BAR Editora. Em 2018 participou da antologia “Cidade Sombria” uma coleção de contos de literatura noir ambientados na cidade de Goiânia – GO.
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