RINDANDO NO INFERNO
Os poetas e os escritores, quando nascem,
em quartos apertados ou
em mansões vazias,
assinam um contrato
com o diabo
da literatura.
É um contrato tácito,
ninguém precisa saber,
mas é como uma sentença de morte antecipada
que, ironicamente, lhes ajuda viver.
Lhes permite caminhar como se fossem todos o seu próprio Deus.
Não é que morreriam sem isso,
mas
simplesmente
teriam um vazio
nunca preenchido.
Todo poema é um pedido de desculpas endereçado a Deus,
e, para cada escritor que morre
há uma testemunha de Jeová batendo nas portas do céu
e um colega de ofício
brindando
no inferno.
NÓS CRESCEMOS
Nós crescemos,
e eu me lembro que
você costumava
contemplar estrelas mortas que não perderam seus brilhos
e dizer que as três marias eram as mais bonitas do universo porque estavam sempre juntas
– como nós dois.
Lembro que costumava me deliciar com o cheiro do seu hidrante de morango
que passava pelo corpo inteiro
e me preocupava com a possibilidade de errar algumas palavras
e fazer com que não falasse comigo o resto da semana.
Lembro que você devorava livros,
corria como uma Chita desengonçada
e estava sempre me incitandoatravés de provocações triviais.
Nós crescemos,
fomos alcançados pelo sangrento aroma da vida
e sentimos o cheiro do dinheiro
que nos faz respirar tanto quanto o oxigênio.
Mentes assassinas camufladas por discursos de coaching nos capturaram pelo caminho
e as vozes das vielas nos ensinaram que ser um vencedor na verdade era o pior caminho.
Poderíamos ter envelhecido, mas,
paramos no tempo.
Agora, vivemos essa eterna infância-adulta
onde calçamos um pé comcalçados sociais,
e deixamos o outro descalço na terra do nunca.
Não conhecemos as leis do agora e nem as do futuro.
Forjamos a nossa própria Lei.
Não temos ideologias nem identidades,
mas somos tudo
um para o outro.
Para nós,
todos os dias são castigos e presentes.
Somos os nossos próprios carrascos e libertadores.
Mas, diversas vezes,
em momentos de nostalgia
e vergonha
eu desejo ser aquele moleque estúpido novamente
sentado na praia ao seu lado a escutar Jack Johnson
enquanto meninos tremem ao dar seus primeiros beijos
e as meninas sonham com um amor
para a vida inteira.
GAEL
Ele enxergava de outro jeito,
Era evidente.
Enquanto seu pai dizia “ei, Gael, olha os dinossauros”,
ele sorria.
com aquele sorriso
de vergonha
como quem pergunta
“eu tenho que sorrir agora, não é mesmo?”
ainda que sem ter a menor ideia
do que está acontecendo.
Gael estava confuso.
Do que achavam graça,
tinha medo.
E terminou o dia
emitindo um choro
frustrado
ao perceber
que ninguém concordava
com ele.
Parecia fofo porque Gael tinha 5 anos.
Eu tinha 21 e
me sentia
da mesma
maneira.
Era triste olhá-lo e saber
que talvez
tudo
se repetisse.
Mas talvez
seja melhor
assim.
Nascido em Salvador – BA em 1995, escritor, poeta e contista, Matheus Peleteiro publicou em 2015 o seu primeiro romance, Mundo Cão, pela editora Novo Século. Em 2016, lançou a novela intitulada “Notas de um Megalomaníaco Minimalista”, (Giostri), e o livro de poemas “Tudo Que Arde Em Minha Garganta Sem Voz”, (Penalux). Em 2017, publicou “Pro Inferno com Isso”, seu primeiro livro de contos.
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Maravilhoso