Três poemas de Thereza Rocque da Motta

 

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A JORNADA
Para Antônia Krapp Tavares

Enquanto vivemos à parte nas sombras,
existe um moinho que gira constante.
Embora não o vejamos,
ele reluz à clareira na praia
com suas pás girando no ar.
Há tantas coisas que existem sem nós,
flores e rios,
animais que nascem e morrem
sem que saibamos.
Não saber é uma bênção e um desdém.
Não somos necessários ali.
Para que servimos senão para nossa própria vida?
Enquanto o rio desce por suas margens,
ele não vê quem o olha
e, inconsciente de si e do outro,
prossegue sua jornada
como se não existisse.

Copacabana, 29/07/2011 – 8h30

 

 

 

O AMOR É UM TEMPO SELVAGEM
Para Celina Portocarrero

O amor é um tempo selvagem,
que vive à margem de tudo,
e envolve os seres enquanto dormem.

Quando pensamos ter encontrado o amor,
torna-se nossa única verdade,
que, dia e noite, nos acalenta,
mesmo

contrário a todas as coisas.

Nem os olhos percebem quando passa,
por ser permanente e efêmero.

Não está onde pensamos tê-lo.

Mas está acima de todas as coisas
– tangível e belo –
como tudo que pensamos verdadeiro.

Copacabana, 18/07/2010 – 14h50
In Amar: verbo atemporal, Rocco, 2012, org. Celina Portocarrero

 

 

 

A CECÍLIA
  Para Fernandinha Correia Dias

Se te beijasse,
seria breve a vida.

Por isso guardo o gesto para depois.

Depois viriam as esperas,
todas ritmadas,
centradas em si mesmas
e nós, mudos, por dentro.

Teu motivo é a rosa,
perdida em tanto afã.

Ouve no vento a sibilante fala
e revela no poema
seu talho à mão.

Nenhum verso te preserva:
estás nua envolta em palavras.

Antes que chegue teu dia,
mais uma vez te esquecerão,
só para se lembrarem,
aflitos,
de que nunca morres:

como não morrem
os motivos da rosa.

Copacabana, 6/11/2001 – 4h

 

 

 

Thereza Christina Rocque da Motta, paulistana, nasceu em 1957, formou-se em Direito pela Universidade Mackenzie em 1981, é poeta, editora e tradutora. Publicou Joio & trigo (1982), Areal (1995), Alba (2001), Lilases (2003), Marco Polo e a Princesa Azul (2008), O mais puro amor de Abelardo e Heloísa (2009), Futebol e mais nada (2010), A vida dos livros (2010), Odysseus & O livro de Pandora (2012), Breve anunciação (teatro, 2013), As liras de Marília (2013), Capitu (novela, 2014), Folias (2014), Horizontes (2014), Lições de sábado (2015), Intemperanças (2016), Minha mão contém palavras que não escrevo (2017), em coautoria com Álvaro Alves de Faria e O amor é um tempo selvagem (2018). Entre seus livros inéditos estão Sheherazade (contos), Nefertiti e Guinevere (poesia). Traduziu A Cadeira da Sereia (Companhia das Letras, 2016), Marley & Eu, de John Grogan (Ediouro, 2006), Os diários secretos de Agatha Christie (Leya, 2010), A dança dos sonhos, de Michael Jackson (2011), 154 Sonetos (2009), de William Shakespeare, O Corvo, de Edgar Allan Poe (2013) e O Unicórnio e outros poemas, de Anne Morrow Lindbergh (2015), entre outros. É membro do Pen Clube do Brasil. Fundou a Ibis Libris em 2000.

 

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This Article Has 3 Comments
  1. Fernanda Correia Dias Reply

    Thereza, gosto muito, e principalmente desta síntese:só para se lembrarem, aflitos, de que nunca morres – Porque é isso que sinto quando leio tanta verdade nos poemas universais e eternos, de minha avó materna Cecília Meireles.O grande poeta é antes, um verdadeiro!

  2. FABIOLA LESLIE RENEE PAPIS Reply

    Querida você sempre me emocionou e com o passar dos anos aumenta a emoção e a admiração. Gratidão total por compartilharmos o mesmo tempo nessa jornada aqui na terra!

  3. Alice Monteiro Reply

    Lindos os seus três poemas postados, querida Thereza. Emocionam. Bravo!!!
    Beijos, Alice Monteiro

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