Três poemas de Marco Aurélio de Souza

 

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As invasões bárbaras

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
[À espera dos bárbaros – Konstantinos Kaváfis]

“Mulheres e crianças fogem de bombardeios em Ghouta”
As crianças, Deus do céu, ninguém está fazendo nada
Pelas crianças
“O sonho americano depende da construção de um grande muro”
E por onde anda a ONU, que não cumpre o seu papel?
“Com 40.000 venezuelanos em Roraima,
Brasil acorda para crise de refugiados”
Que voltem imediatamente para o seu país –
Acaso fomos nós que elegemos seu governo socialista?
“Síria: crianças de guerra, crianças de morte”
“Não há lugar seguro, afirma médica humanitária”
E como invocarão aquele em que não creram?
“Em 2018, guerra na Síria deixou uma criança morta por hora”
Como podem as autoridades fecharem seus olhos
Para esta matança?
“Senegaleses, haitianos, iranianos, bolivianos –
Estamos recebendo tudo que é escória do mundo”
Parece que ataram as mãos de todos os governantes do planeta
“Por que só recebemos pessoas de países de merda?”
“Sobe para 8 mil o número de etíopes que fogem para o Quênia”
Queremos imigrantes de países como a Noruega
“Síria: guerra matou mais de 1.000 crianças em 2018”
Refugiados, mas o que temos nós a ver com isso?
É cruel, desumano, o mundo virou as costas para aquele país
Não bastassem os nossos, agora temos que aguentar os pretos do Haiti
“Venezuelanos chegam a São Paulo em abril”
É preciso impedir esse absurdo
Enquanto estamos na internet, para cá se dirigem quarenta navios
De estupradores e terroristas muçulmanos
Enviados pela Síria
E as crianças, meu Deus, como é que ninguém faz nada?
“Síria: imagens de crianças vítimas da guerra viralizam na web”
Vai deixando entrar pra você ver o que farão os terroristas
Confio na Palavra do Senhor – Jesus está voltando
“Por que só recebemos pessoas de países de merda?”
E como invocar aquele em que não creram?
As crianças, meu Deus, salvem pelo menos as crianças
“Está migrando para cá a escória do mundo inteiro”
Esse defende o cidadão de bem e fala sempre
O que o povo de verdade quer ouvir
“Construiremos um grande muro na fronteira”
O juízo final virá em breve
“O sonho americano
Depende disso”
[E a escória do mundo
Está voltando]

 

 

No país da quartelada

Oficiais sussurram obscenidades
Ao pé do ouvido da nação
No país da quartelada

Estupradores e jovens membros da KKK
Posam às capas de revistas femininas
No país da quartelada

Animais de carga abastecem os estoques
Enquanto as aves de rapina fecham acordos
No país da quartelada

Vladimir Lênin se esconde
Debaixo da cama ou dentro do armário
No país da quartelada

Homens de bem tocam punheta
Para funcionários fardados
No país da quartelada

Pretos e índios são pesados em arrobas
Em campos de concentração
No país da quartelada

Romero Britto pinta retratos presidenciais
E eterniza guerras comezinhas
No país da quartelada

Importações em dólar & exportações
A preço de banana
No país da quartelada

Competições de tiro
E coturnos bem engraxados
No país da quartelada

Obediência à moral dos imorais
E um coral de palavras de ordem
No país da quartelada

Recrutas transam na guarita
Gemendo sim-senhor às estocadas
No país da quartelada

Sim é não e não é sim
Desde que o general nos diga
No país da quartelada

Barsas e Reader’sDigest enfeitam a estante
(Livros de história ao pé da mesa)
No país da quartelada

Bares concorrem com os templos evangélicos
E consultórios psiquiátricos
No país da quartelada

Corrupção em telas de LED
E a multidão de miseráveis em 3D
No país da quartelada

Os patriotas batem continência
À bandeira norte-americana
No país da quartelada

Judeus aplaudem passeatas neonazistas
E clamam por um holocausto crioulo
No país da quartelada

Jovens decidem esperar
Chupando botas & genitálias virgens
No país da quartelada

Os vendedores de pirâmides se sentem
Superiores com sua renda de fachada
No país da quartelada

Imenso sítio arqueológico
Feito de ossadas de oposição
No país da quartelada

Torturadores rezam uma Ave Maria
Fedendo pinga antes de dormir
No país da quartelada

Em cada esquina um comunista inexistente
Todo parlamentar um liberal imaginário
No país da quartelada

Um pesadelo coletivo nos aflige
– Meu carro novo confiscado pelo Estado –
No país da quartelada

Eu limpo o cu com a bandeira nacional
E sinto ânsia do país, pátria lesada,
Neste país – ó meu país! – da quartelada

 

 

O erro de Ustra

O erro de Ustra
Foi torturar muito
Mas matar pouco

Devia ter matado
A todos os comunistas
E liberais
E anarquistas
E democratas
E jornalistas
E poetas
E estudantes
E vagabundos
E prostitutas
E pederastas
E também os ciganos
Índios &pretos
Mulatos & caboclos
E os sulistas
Nordestinos
Cariocas e baianos
E mesmo os brancos
De classe média
E ascendência europeia
Com sardas no rosto
E um par de olhos
Bem azuis

Torturou muito
Mas matou pouco
Pois devia ter assassinado
Também as famílias
De bem e os militares
De alta e baixa patente
– Oposição e
Situação –
E ter matado os criminosos
Tanto quanto
Os inocentes

Devia ter matado a todos
E jogado os corpos
Em valas comuns
Até que não sobrasse
Um único infeliz
Para dizer que foi
Monstro ou herói
Em comentários odiosos
De jantar em família
Ou portal da internet

[E que um silêncio sepulcral
De irrestrita aprovação
Assim pairasse soberano
Sobre a terra devastada]

 

 

Marco Aurélio de Souza (1989, Rio Negro/PR) é autor de Travessia (2017, poemas), Conexões Perigosas (2014, romance) e O Intruso (2013, romance). Doutorando em Estudos Literários (UFPR), publica em diversos periódicos e participa, entre outras, das antologias “29 de Abril: o verso da violência” (Patuá, 2015, poemas) e “15 Formas Breves” (Biblioteca Pública do Paraná, 2017, contos). Anjo Voraz (2018, poemas), vencedor do I Concurso Literário Editora Benfazeja, tem publicação prevista para o primeiro semestre de 2018. Contato: [aurelio.as25@yahoo.com.br].

 

 

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