Fernando Andrade entrevista a poeta Jussara Salazar

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Jussara Salazar é escritora e artista visual. Publicou Inscritos da casa de Alice [1999],Baobá, poemas de Leticia Volpi, [2002], Natália [2004], Coraurissonoros [Buenos Aires, 2008], Carpideiras [2011] com a Bolsa Funarte, ficando entre os finalistas do Prêmio Portugal Telecom na edição de 2012, O gato de porcelana, o peixe de cera e as coníferas [2014] e Fia [2016]. Tem sua obra publicada em diversas revistas e traduzida para o inglês, o francês, o espanhol e o alemão. É Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/São Paulo.

 

 

 

1-) Você usa uma palavra que possui um imensa capacidade semântica de expressar tanto um veio vernáculo sobre a terra, a produção textil quanto à escrita, a criação. As palavras fia-fio designam quase o caminho da narrativa, suas tessituras, seu tecido orgânico. Como foi partir desta palavra para pensar teu livro?

Fia foi um livro/projeto como a maioria dos meus livros. Gosto de trabalhar com um centro de acontecimentos, algo que não considero um tema, mas que circunda acontecimentos pelos quais me interesso. No caso do Fia foi o universo das mulheres que produzem a renda que atuou como fio condutor. Quando isso ocorre primeiro há o encontro do que me parece viável como poesia, parece em um segundo eu escrevo um livro imaginário onde ainda não existe um texto, mas que flutua ao meu redor com suas palavras e personagens. Isso mesmo, gosto de personagens, fico sempre nas margens do que pode vir a ser um conto ou até mesmo um romance. Essa tessitura é que me conduz ao texto do livro de fato, ao trabalho de ceifar e destruir tudo que não interessa.

 

2- Teus poemas visualizam uma mitologia póiesis da natureza, que é tão sombreada como a criação poética, Que relações você vê na natureza com seus elementos naturais com a reflexão sobre o poema com todos os elementos que o constituem?

A natureza é um fato, um vortéx de infinitas possibilidades para atingir a essência humana. Uso e abuso desses elementos porque sempre estiveram muito próximos de mim desde sempre. As oposições entre a luz do dia e a escuridão da noite, por exemplo, podem apontar para significações humanas de grande sensibilidade. Um poema sempre reflete o cotidiano, mas será sempre um cotidiano transfigurado, remexido em sua potência de ser todas as ideias do que imaginamos. O universo feminino, que para mim é a natureza maior de minha escrita, está sempre as voltas com esse redemoinho de naturezas, devires, lembranças, medos e afetos.

 

3-) Como foram trabalhadas as imagens muito visuais do teu livro. Como é teu processo de começar um poema? Você tinha uma ideia conceitual sobre o livro antes de começá-lo?

Como disse na primeira questão eu projeto para o texto um centro criativo em movimento e dissolução. O que se poderia definir como conceito eu chamo de experiência, no sentido da retirada de material de uma mina descoberta nas prospecções diárias, humanas do dia a dia. Um livro para mim começa pelo desejo de construir essa experiência única e absolutamente comum em poema. E os poemas vão desencadeando um jorro de letras, palavras, respirações e vazios em torno dessa experiência com imagens, sons, grafias e ritmos. Eu tenho uma ligação profunda com as imagens, já que tenho uma passagem pelas artes visuais, bem como com a música, essa mais que perfeita tradução do tempo, das entonações e dos contrastes.

 

4-) Palavra confiar é uma palavra que parece ter uma relação de pacto ou plausibilidade entre fatos ou acontecimentos ou pessoas. A poética seria também uma relação de confiança entre as suas entranhas semânticas e o processo de recepção do leitor. Cabendo aqui uma questão da interpretação do que é ( ou seja) um poema.

Quando um livro começa a existir ele já traz consigo um leitor-a. Numa hipótese mais ampla, essa relação de cumplicidade é possível na medida em que escrever é uma ação coletiva, mesmo quando parte de uma pessoa apenas. Esse ciclo vital se repete no germinal de possibilidades que nascem juntas do início ao fim do processo, do primeiro despertar à leitura dessa outra pessoa que mesmo desconhecida sempre esteve presente na gestação do texto. Sem essa cumplicidade não há sentido e não estaremos falando de literatura.

 

 

 

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Fernando Andrade, 50 anos, é jornalista, poeta, e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemoemetria , e Enclave ( poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Está lançando esta semana o quarto livro de poemas, a perpetuação da espécie pela Editora Penalux.

 

 

 

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