Livro de poemas Sobre nossas línguas a carne das palavras ganham corpo, densidades quando compostas no balé do poema.
por Fernando Andrade
Se a grafia de uma palavra fosse um monstro alado ou uma mostra de uma esfera celeste onde criaturas seriam misturas de formas humanas com animais, expressando tanto o desejo de um corpo talvez até não binário contendo o masculino e o feminino. Formas animais são mais soltas quanto à uma estética aérea, polimórfica. O movimento de cada ser, obedece a sua forma no espaço, ao seu desenho no ar e no movimento do espaço onde ele habita. Palavras ganham corpo, densidades, têmperas, quando expressadas no balé de um poema, numa reunião de temas e estilos num congresso de palavras reunidas para conto. O escritor Vitor Ramil expressou esta organicidade espacial das palavras no seu belo A primavera da Pontuação, onde os sinais gráficos como ponto, vírgulas ganhavam uma corporeidade muito típica de uma família envolvida na Primavera de 2013 e suas manifestações políticas pela cidade.
Vejo no livro da poeta Beatriz Bajo, em seu último livro “Sobre nossas línguas a carne das palavras“, (editora Patuá) esta mesma posição icônica com relação ao uso maleável e até dançante do aparato vocabular quando trabalhado em formas artísticas como no teatro, poesia e cinema. Artes que visualizam o corpo grávido-gráfico das palavras naquilo que podem ser sua miscigenação, quando há relações cópulas aglutinações e até antropofagia canibalística. A poeta não expressa em seus poemas algum lugar onde se tematize algo. Toda tapeçaria verbal de Beatriz, passa pela morfologia de certas aliterações e assonâncias que são muito bem exploradas em versos numa mesma linha ou na linha seguinte criando um balé de tornos e contornos musicais e ritmados.
Há também uma procura por palavras que não expressem um uso vocabular tão cotidiano, Clepsidra, interstícios. São morfemas bailarinos, que expressam a função estética da linguagem, colocando a força cognitiva do poema em forma, não passiva, deslocante, afetante. Aqui neste livro a carne não apodrece pelo efeito da leitura deslizante do leitor, que bagunça o próprio sentido e entendimento do que lê. A página: a malha branca do pergaminho vira palco à torvelinhos; quedas de som e mudo sentido do corpo gramático do poema.
Fernando Andrade, 50 anos, é jornalista, poeta, e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemoemetria , e Enclave ( poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Está lançando esta semana o quarto livro de poemas, a perpetuação da espécie pela Editora Penalux.
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