BRANCOS
lavo a roupa branca
e a estendo
no varal
à noite
atraída pelo branco
vem a lua cheia
iluminar
o meu quintal
e pousa
ao lado da roupa
no varal
TOPO
subo até o ponto
mais alto do vale
onde a grama e o capim
sabem a ouro
porque o sol oblíquo
deita sobre eles
um lençol de luz
como se é grande
quando se sobe ao ponto
mais alto do vale!
as coisas à vista
os maiores problemas
viram miniaturas
tenho por companhia
um cachorro
um caderno
uma caneta tinteiro
uma câmera fotográfica
o cachorro é dócil
e selvagem
escava o chão
com as patas traseiras
come ervas brutas
que depois expele
em sucessivas golfadas
por que sofrer assim?
na metrópole
alguém me ama
pensa em mim
enquanto penso nela
e escrevo
sem parar
ano passado
um incêndio
devastou o verde
dessa paisagem
mas a natureza
que há na terra
é teimosa
sabe se reinventar
nuvens brancas
por trás de árvores secas chamuscadas
navegam
tangidas pelo vento
estou sentado
sobre um resto
de banco de madeira
que a intempérie e o fogo
destruíram
trago a ruína no estômago
como o cachorro e suas ervas
estou sentado
sobre um banco de areia
de quarenta metros de profundidade
outrora praia de mar
que a força tectônica
ergueu comigo
ao ponto mais alto do vale
além de meus pertences
trago um chapéu de palha
sobre a cabeça
um amor no imo
e um silêncio de brisa
que me atravessa
como uma canção
o cachorro descansa em minha sombra
cachorro sombra sol silêncio abelhas
minha alma pastando
ATERRISSAGEM
sonho. paisagem marinha. vou de passageiro no banco de trás de um 4×4. o motorista começa a subir a encosta muito escarpada de uma duna e, ousado, acelera cada vez mais quando nos aproximamos da crista. o carro perde o contato com o solo e passa a girar no céu. digo a mim mesmo: “medo? devo confiar no motorista, é profissional, sabe o que faz”. Após inúmeros cavalos de pau no céu, o carro aterrissa na praia, espalhando areia para todos os lados. estou vivo. conto para minha terapeuta. diz que hipoteticamente ela pode ser a motorista. mas de modo algum garante uma aterrissagem segura.
Ruy Proença nasceu em 9 de janeiro de 1957, na cidade de São Paulo. Participou de diversas antologias de poesia, entre as quais se destacam: Anthologie de la poésie brésilienne (Chandeigne, França, 1998), Pindorama: 30 poetas de Brasil (Revista Tsé-Tsé, nos 7/8, Argentina, 2000), Poesia brasileira do século XX: dos modernistas à actualidade (Antígona, Portugal, 2002), New Brazilian and American Poetry (Revista Rattapallax, nº 9, EUA, 2003), Antologia comentada da poesia brasileira do século 21 (Publifolha, 2006), Traçados diversos: uma antologia da poesia contemporânea (organização de Adilson Miguel, Scipione, 2009) e Roteiro da poesia brasileira: anos 80 (organização de Ricardo Vieira de Lima, Global, 2010). Traduziu Boris Vian: poemas e canções (coletânea da qual foi também organizador, Nankin, 2001), Isto é um poema que cura os peixes, de Jean-Pierre Siméon (Edições SM, 2007), Histórias verídicas, de Paol Keineg (Dobra, 2014), e Dahut, de Paol Keineg (Espectro Editorial, 2015). É autor dos livros de poesia Pequenos séculos (Klaxon, 1985), A lua investirá com seus chifres (Giordano, 1996), Como um dia come o outro (Nankin, 1999), Visão do térreo (Editora 34, 2007), Caçambas (Editora 34, 2015) e dos poemas infanto juvenis de Coisas daqui (Edições SM, 2007).
Ruy é, indiscutivelmente, um dos melhores poetas contemporâneos. Uma referência para mim (ele sabe). Belíssimos poemas.