[Cinco textos inéditos do poeta Moçambicano Lino Mukurruza ]
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.sobre o comboio e nuvem matutina.
.não posso adiar a madrugada e as nuvens que desenham-se na mão a afecto sobre imaginário.
.não posso.
.ainda que haja este comboio atroado. odeio a objectiva.
.e amo cada vez mais necessário as nuvens esbranquiçadas.
.descerem escadas quebradiças da madrugada tão lentamente até mim e sobre memória sensível da mão.
.lança-se a liberdade secular do silêncio e cinzento sobre a nuvem que imagina um desenho a sexo animal e sobre os ombros da voz.
.escuta-se essa música na lentidão do tempo efémero.
.espalha-se reste na quietude silenciosa do medo.
.sente-se caris ferver brunida mais quente e aquecida.
.sei que não posso imaginar um poema escrito por palavras no silêncio do vento a cair lentamente em folhas mudas e meio secas.
.sei que tenho a mão inteira sobre pincel e imaginação.
.e a nuvem cada vez mais clara dentro da madrugada desenha-se uma tela ainda que imaginaria.
.imagina-se uma lágrima dentro dela.
.sobre a destruição da pintura.
.tão magnifica.
.tão humilde e simples.
.tão única e arte.
.e é definitivamente com a arte que é impossível a dor.
.e definitivamente desiste-se a madrugada e a sua vasta invenção.
.nisso. percebe-se que dói imaginar. e no desistir. apenas não desiste-se a ela unicamente. mas. perde-se oque mais se ama num instante que não perdura na mão mesmo em efémero temporário.
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.carruagem de hoje, poema de amanhã.
.a ideia de um barco.
.no meu dedo.
.imagina-se.
.um corvo no voo horizontal sobre a fúria.
.sobre a distância corre-se e espeta-se no lodo.
.sobre mão imberbe na mágica do tempo mastiga-se o vento.
.e pedra também, no poema do futuro.
.costura-se corpo estilo arte no dedo.
***
.vamos voar também, felizes.
.estamos numa nuvem cinzenta.
.estamos sentados.
.escuta-se jazz.
.pinta-se um vento amarelo ou verde.
.ora um cavalo e de repente dentro deste inverno.
.um homem sem palavra morre discretamente.
.e uma palavra sem homem vive na boca da nuvem silenciosamente ambulante.
.e acho que sempre execrei a mente.
.acho mente essa coisa inútil que nos faz reviver cenas de choro.
.como não ter vivido no passado.
.acho também que nunca gostei da lembrança.
.lembrança por ser um degrau com que desenhamos coisas horríveis.
.como por exemplo.
.dedos com sangue na nuvem cinzenta.
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.acho que as nuvens são palavras também.
.as nuvens são uma criação muito belas.
.como pedras.
.são perfeitas soltas e pegadas.
.e oque nelas mais sobreexcitam.
.é a capacidade inata.
.para fazer desenhos e imagens.
.sempre e sempre.
.quando em nós haver um toque sobre o estilo.
.só isso.
*****
.o copo no corpo do vinho.
.há um fio horizontal tecido sobre o corpo da nuvem a sangue.
.fio ténue suturado a sombras de nuvens em folhas estendidas sobre coqueiro.
.estende-se a mão toda sobre a folha.
.estende-se a voz e a palavra que liga a montanha e nuvem em cada madrugada no elo a sangue também.
.com o sol e vento na evaporação e construção da nuvem.
.cresce a vontade e a nuvem no coração da mão e no prisma do olhar que celebra a vinho.
.um mar sem barco e âncora na margem do rio e da sombra; uma montanha.
.uma taca cheia de nuvens leva a mão a cara toda.
[e o corpo termina o ímpeto.
Lino Mukurruza (pseud). Poeta moçambicano. Publicou; Vontades de partir & outros desejos (FUNDAC, 2014) e Almas em tácitas (LUA DE MARFIM, 2015). Possui uma Licenciatura em Ensino de Português. Atualmente vive a palavra como vive a pedra, a espera do tempo chegar na margem de um rio aberto.
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