Três poemas de Débora Gil Pantaleão

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pirotecnia

aliena-me
para que não soframos o passar
das primaveras
nem ouçamos os gritos surdos
dos filhos e filhas das cores
aliena-me
dentro de alguma forma clássica
dentro de alguma forma breve
para que não sintamos as fomes
dos mendigos dos adictos
nem o sexo assado das putas
aliena-me
enquanto amorteces as feridas
de nossas partidas
enquanto não choramos
as mortes de nossas velhas
aliena-me
e nunca nunca jamais
permita-me
desalienar

 

 

desmame

eu já não vivo mais em morte
embora ainda me doa o experimento
nestas novas formas que meu corpo cria
sobreviver de repente virou um tanto fácil
um preâmbulo que antecipa a vida
inalcançável
agora já um tanto fluida
já um tanto flácidas as rugas
dentro da efemeridade
que amo e que detesto
eu respiro o outro
eu respiro os outros
e suas cavernas
na escuridão tateio seios
já não há cidade
que sustente minhas pressas

 

 

vida de puta

minha vida está uma bagunça
há três pedaços de sabonete na saboneteira
me pergunto como isso é possível
na pia tem uma gorda preta bem no ralo
há pó de incenso caído no chão perto da lixeira
é uma vida merda
há uma calcinha suja em cima da descarga
meus livros e apostilas estão empilhados
como se esperassem caixa
há dias não lavo os óculos
como ensinou minha falecida avó
alguns seres humanos querem trepar comigo
mas estou cansada
sou péssima em fazer sala
se paro de trabalhar quero a morte
a solidão dos motores que passam
na pista ao lado do meu prédio é insuportável
me pergunto como isso é possível
desejo morte para todos por pena
desejo vida para todos por pena
uma amiga me fala sobre compaixão
digo que sentimentos assim
destroem um eu lírico
na frente do palco todos me aplaudem de pé
uso salto 11,5
ninguém conhece meus segredos

 

 

Débora Gil Pantaleão (1989) é vegana, feminista e editora na Escaleras. Graduada, mestra e doutoranda em Letras, é também especialista em psicanálise. Publicou livros de prosa, Causa morte (2017) e Nem uma vez uma voz humana (2017), e de poesia, Se eu tivesse alma (2015), Vão remédio para tanta mágoa (2017) e sozinha no cais deserto (2018). O Selváticas é o seu sarau preferido.

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