Andar, Andar, Memórias do nunca mais…
Por Silas Corrêa Leite
As contações das andanças do romance de estreia do literato Alfredo Guimarães Garcia.
“No passo da estrada só faço andar/Tenho o meu amado a me acompanhar/Vim de longe léguas cantando eu vim/Vou lá faço trégua sou mesmo assim/Por onde for quero ser seu par…(…)/Já me fiz a guerra por não saber/Que essa terra encerra o meu bem querer/Que jamais termina o meu caminhar/Só o amor me ensina onde vou chegar(…) /” (Beth Carvalho canta Andanças de Danilo Caymmi/Edmundo Souto/Paulinho Tapajós.
No premiado romance de estreia (Academia Paraense de Letras/Prêmio Georgenor Franco/Novela 2017), o literato Alfredo Guimarães Garcia já faz bonito e bota nossos pés, nossos olhos e nossas sentições na estrada de suas tintas de lonjuras, entre criações embonitadas e com jeito típico de “gente mais maior de grande”(como muito bem e bem moleque cantou Gonzaguinha), tudo no livro escrito entre cheiros, terras, lágrimas, purezas, em narrativas bem torneadas, e que assim como se põem a caminhar conosco na nossa leitura de, também quando fomos crianças; ou continuamos crianças quando escrevemos doces memórias para retrazê-las conosco, ou, por assim e então sabermos de outras tantas meninices também, muito além dos campos de lavanda dos sonhos, e com esse deleite nos sentimos em casa na leitura dessas andanças literárias.
-Ah nossa infância, nosso maior tesouro. O autor, escritor menino do já-hoje, capricha na contação ligeira, maviosa, e você embarca com ele nessa navelivro, só para ver o circo pegar fogo, o palco iluminado alumbrar-se, e você também menino de novo a sentir o favo de um contar feito um ouvi-dizer letral lá dele, nessa leção saradinha. Trilhas, saudades; a doce jornada do crescimento. O homem-menino bom de prosa, no esteio de toda uma carreira firmada nesse sentido, que o próprio currículo do autor tem histórias pra contar; sua vida mesmo daria um romance e tanto, e que agora desemboca aqui nesses causos costurados numa sequência que romanceia a longa estrada da vida… Escrever é isso, botar lume nos enlevos perigritantes do caminhar, nos cravos e rosas de caminhaduras, e com isso trazer nas palavras as idas e vindas desse sentir, desse pensar, desse pintar e bordar, a criar com esmero salutar, que é o que faz com estilo e talento o Alfredo Guimarães Garcia. A vida é uma pesada mochila de estrelas entre egoiscas e gafanhoutros, mais pirilâmpadas e bijutelíricas, mochila que como asa ou canga carregamos nas costas (depende do que dela fazemos de nós), nos nossos ombros largos, e vamo-nos indo a preenchê-la diuturnamente com nossas perdas e ganhos, nossas pedras e águas, nossas cantilenas e teares, nossos “voospássaros’, pois, assim como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, de que “o mundo não pesa mais do que a mão de uma criança no ombro”, afinal e por fim, compreendemos até mesmo em meio a jornada, que o importante é estar na viagem, não o fito que seja o inevitável terminar dela, e com que proposito seja afinal esse terrível verbo viver, e por que não dizer, escreviver? Entre as fantasias, os sonhos e as memórias, o romance Andar Andar… carrega sentimentos, foca vestígios de ausências, encrespa ilusões lavadas, cenas crivadas de existencialização pura e simples, pois, como diz Fiódor Dostoievski (in Noites Brancas), “Sentimos que, por fim, essa inesgotável fantasia se fatiga, se esgota numa perpétua tensão, porque amadurecemos e superamos os nossos ideais antigos, os quais se desfazem em pó e desmoronam, e, se não existe outra vida, é preciso construí-la mesmo com essas ruínas. E, no entanto, é algo de diferente aquilo que a alma solicita e quer! É, pois, em vão que o sonhador procura entre as cinzas dos seus velhos devaneios pelo menos qualquer cintilação para lhe soprar em cima e aquecer com um fogo novo o seu coração arrefecido e nele ressuscitar tudo o que outrora era tão agradável, tudo o que lhe sensibilizava a alma, tudo o que lhe fazia palpitar o sangue, tudo o que lhe inundava de lágrimas os olhos e iludia de maneira tão magnífica! Vejo-me obrigado a celebrar o aniversário dos meus sentimentos, o aniversário daquilo que dantes me era tão caro e que, na realidade nunca existiu – porque esse aniversário se celebra sempre em memória dos mesmos tolos devaneios – e, em última análise, esses próprios tolos devaneios não existem, porque não há possibilidade de os extrair da vida: até os sonhos nascem da vida, não é verdade?” – Escrever é a saudade brincando no parque infantil da infância pura, em que éramos felizes e não sabíamos?
Sim, os sinos dobram porque da terra nascem os meninos que mesmo depois de homens trazem o menino numa mochila íntima, com uma alma de cedro e um sonho-talismã de campear ser feliz apesar de tudo… na mochila do eterno menino há muitas moradas… A moenda do tempo anseia por prosear labutas, bravatas, desejos e libertações. Afinal, quem elegeu a busca não pode recusar a travessia, disse Guimarães Rosa, o pai letral dos cafundós e dos sertões, canteiros e searas… A grande Viagem de existir… caminhar, peregrinar, vadiar, andarilhar, dar no pé – fugir! Fugir! – é isso, sumo de sustância. Viver é só não ser fixo? Disse Charles Bukowski azedando a polenta da vida lá dele, a respeito pontundo issos e aquilos: “Vá para o Tibet.// Monte em um camelo.// Leia a Bíblia.// Pinte seus sapatos de azul.// Deixe a barba crescer.// Dê a volta ao mundo numa canoa de papel(…).//Mastigue apenas com o lado esquerdo da boca.// Case-se com uma perneta e se barbeie com uma navalha.// E entalhe seu nome no braço dela.//Escove os dentes com gasolina.//Durma o dia inteiro e suba em árvores à noite.//Seja um monge e beba chumbo grosso e cerveja.//Mantenha sua cabeça dentro d’água e toque violino.// Faça uma dança do ventre diante de velas cor-de-rosa(…)//Viva num barril(…).//Plante tulipas sob a chuva.//” – Tudo isso e tudo muito isso cabe na escrita, no escreviver, na palavra eivada de luz e de vida viçando descobertas e acontecências, entre humor, barulhezas, ironias, contencices e evoluções nesse contexto…
-“Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para fogueira” disse um dos maiores escritores do mundo de todos os tempos, Leon Tolstoi. Pois Alfredo Guimarães Garcia como pensador, sentidor e escritor de carreira e belo currículo, trouxe-se de si esses tantos olhares, em tantos parágrafos que encorpam o livro ANDAR, ANDAR, Memórias do nunca mais, Populivros Editora, 2018. Com seu feitio claro e cristalino de gracioso entendimento do oficio de escrever com a alma-chã, sai assim almando ventos e rumos, prosopopeias e simplezas, tendo, na alma-chã pedaços de frutas, entre açúcares e sais, de um cantinho desse um menino, feito um mochileiro das palavras, e, assim e por isso mesmo, um peregrino andarilho de contações maviosas que vale a pena se entreter lendo nas andanças com ele. “Flor-de-ir-embora(…)//É flor que se alimenta do que a gente chora…” diz a toada de Fátima Guedes. Deve ser isso o andar… andar… memórias do nunca mais…
Silas Corrêa Leite – Itararé/São Paulo/Brasil/Planeta Vida – Professor, Escritor, autor de TIBETE, De quando você não quiser mais ser gente, Editora Jaguatirica, RJ, 2017. E-Mail:poesilas@terra.com.br
www.artistasdeitarare.
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