às vezes a gente vive vidas
em outras vidas
…a gente deita num abraço aberto
pra curar um leito
que se fechou
a gente mergulha profundo
no lago dessas terras
pra não ter que buscar
e se perder em oceanos
às vezes a gente escreve
um poema simples
pra não se embaralhar
na densidade dos labirintos
sem fim
às vezes agente chora
o inexplicável do que não se deu
em outros olhos
que nos veem
a gente despeja uma vida abarrotada
na folha em branco que apareceu
cheia de possibilidades
nessa gasta janela
a gente desfaz as malas velhas
em paisagens fora do mapa
e sana os pesos dos sonhos
no vilarejo do meio do caminho
e a gente ama o amor guardado
e desengaveta as fantasias
(..chegar mais além
talvez sempre seja muito tarde…)
e a gente transplanta as sementes
enfim
vai doer
te desenterrar
pela raiz
mas é pra
te plantar
num lugar
onde você
possa aflorar
todas as suas
potencialidades
é ingênuo pensar
que pousará inúmeras vezes
sobre os nossos destinos
que as portas desse cosmos
serão sempre facilmente
encontradas
é inútil pensar
que a flor que concebemos
poderá ser apreciada
da mesma forma
do mesmo intenso
com a mesma exuberância
deste tempo em nós
é que a gente já desabrochou
e inundou os canteiros
e deveríamos olhar
mais agora
para os nossos
pés imersos em fartura
não porque não poderemos
de fato
nos recuperarmos
(nos pequenos respiros da vida)
e recompor o encanto
mas porque agora
aqui já estamos
cheios de pólen
e eu ainda não quero
lavar as mãos
Clara Baccarin é do interior de São Paulo. Escreve versos e prosas espalhados em livros e sites. Publicou os livros Castelos Tropicais (romance, ed. Chiado, 2015), Instruções para lavar a alma (poesia, ed. Sempiterno, 2016) e Vibração e Descompasso (crônicas, ed. Laranja Original, 2017). Alguns de seus poemas viraram música e estão no álbum Lavar a Alma. Ganhou o Prêmio Guarulhos de Literatura na categoria Livro de Poesia do ano de 2017.
Gostei muito. Espetacular! Desejo sucesso a autora.