Três poemas de Diogo Luiz Yamanishi

 

 

DIOGO LITERATURA 300x300 - Três poemas de Diogo Luiz Yamanishi

 

 

 

DESPACHE

hoje acordei melancólico que só
e a poesia já tinha se encarregado da sua bagagem
dentro da minha cabeça

encarar as bananeiras sob o sol
enquanto o gelo derretia no copo
enquanto tanta coisa dizendo tchau
indo embora e eu cheio de razão –
foi a parte mais difícil
a razão

esse carinho
que podia ser de gente mas é de pedra
de couro extendido de arame farpado:
esquecê-lo é lembrá-lo tanto
até que nada mais aconteça

 

 

(NOTAS) BRAGANTINAS & ARACNOFÓBICAS

23h54
o primeiro ímpeto é de sair correndo
incendiar a casa
recomeçar em outro lugar

23h55
pego em vassouras
ando ao seu redor:
mantenho a distância do cabo
e mais alguns centímetros

23h57
deixo de lado a vassoura:
melhor ver se ainda há alguém acordado na casa

23h58
ninguém acordado:
volta a vassoura

você não esboça movimento

00h09
você ainda não esboçou movimento
nenhuma patinha sequer

e a vassoura em riste

00h11
decido largar a vassoura

00h15
largo a vassoura ao lado da porta da cozinha
bem de frente para a pia
onde você permanece
arcanídeo
imóvel

00h16
quebra de expectativa,
climão no ar:
cadê o quebra-quebra?

00h17
resolvo abrir o vinho

aliás
foi o que vim fazer aqui
mas
havia uma aranha no meio do caminho

00h20
eu poderia me sentar em qualquer outro lugar
mas não: isso significaria não te ver
portanto te imaginar
sobre o meu corpo
principalmente

00h21
me sento à mesa
aqui
de frente pra você
taça nas mãos
disposto a escrever sobre você
para me distrair de você

00h25
visão intercalada:
você
vinho
lápis
cigarro
caderno

eu tenho dois olhos
você
oito

impossível acreditar que eu não esteja
em nenhum ponto de vista

00h33
qual o meu medo
afinal?
que você me aniquile
inoculando algum veneno mortal
ao saltar em meu pescoço
no meio da noite?
talvez

ou que você venha me buscar nos pesadelos

ou seria um desespero da forma?

olho diretamente
continuamente
para a vassoura

00h38
você ainda não esboçou reação

como se tudo estivesse na mais santa paz
como se eu não interferisse minimamente
na sua ordem
enquanto você desestabiliza completamente
a minha

00h40
escrita é drama

00h51
tento me convencer
que largar a vassoura
estabeleceu um certo pacto de paz
entre nossos reinos

eu certamente poderia ter te esmagado
metade contra o ladrinho branco
metade contra o mármore frio
não fosse você você
e o meu medo de você

00h53
aliás
não fosse você você
eu nem me preocuparia
mas você é você
e o medo um centro de gravidade

00h55
talvez seja um tanto quanto grosseiro
este pensamento
mas é o único que te cabe
que nos cabe

01h11
nosso pacto segue firme e forte:
você se mantém na linha de fronteira estabelecida:
três patas e meia no mármore da pia
três patas e meia no ladrilho branco
de uma brancura (acredito) impossível
no reino dos aracnídeos

01h12
o vinho também colabora
aumenta a tolerância

01h19
caso o pacto se rompa
a) pegar novamente em vassouras
comprometendo assim uma parte da louça
e o sono dos outros
b) sair correndo
e gritando
e comprometendo igualmente o sono dos outros
(porém deixando a louça intacta)

01h22
é claro
pra você
tanto faz como fez

você não comprometeria o sono de ninguém
no meio do processo
(exceto o meu)

(o medo é nome próprio
pessoal e intransferível)

01h45
o ponto de vista da ameaça é o que me imobiliza

01h47
porque sou eu
averiguando de trago em traço
a linha de fronteira

01h59
certos medos: esse medo
tem tudo a ver com ego
com se achar mais suculento que uma mosca

02h07
corpo tenso

posso jurar ter visto de relance
um débil movimento de patas

02h10
começo a te perder pra escrita

02h16
você sumiu

03h41
engraçado
foi como encontrar um ex-namorado

 

 

A ALEGRIA DOS GAROTOS JOGANDO BOLA SOB O SOL

um dia sob o sol
um ano sob o sol
uma vida sob o sol

alegria é o alvo
a mira perfeita
oito horas de treino por dia
refeições balanceadas
banhos quentes
e sonos de beleza

alegria é esporte
o hobby ideal
preferido pelos papais
a qualquer nobel de literatura

o corpo todo dói nos primeiros dias
sim
é verdade
mas nada que uma selfie convincente não resolva

eu me pergunto aonde essa história de alegria pode nos levar:
alegria & sua tecnologia de ponta
alegria instantânea
alegria em pó
todos os dias
pela manhã
estômago em jejum

alegria
você me promete aquilo que meus amigos já têm
alegria
ajude a elevar-me
alegria
me ajude a ser feliz
ou será que é possível
felicidade triste assim?

alegria
cadê a comparação?
quais são suas medidas
seus parâmetros
seus preços?
alegria
vale o quanto pesa?

alegria
olhe para mim
quero ser sua putinha também

 

 

Diogo Luiz Yamanishi (1992) é poeta e mora em São Paulo.. Estuda literatura desde os 16 anos mas não concluiu a graduação em letras. Trabalha com produção de cadernos & livros artesanais, realiza traduções e é professor de inglês. Seu primeiro livro de poesia, “nenhum reino”, foi publicado em julho de 2017 pela editora Vindouros. Em outubro de 2017, publicou a zine “reino nenhum” também pela editora Vindouros. Participa de diversos saraus da cena paulistana. Integrou a mesa “Visibilidades e visualidades LGBTQI+ na literatura brasileira e as novas fabulações da figura paterna” na Casa Philos + Estante Virtual durante a FLIP 2018. Atualmente, participa do CLIPE (Curso Livre de Preparação do Escritor) na Casa das Rosas e tem apostado no formato do vídeo-poema para trabalhar seus próximos textos.

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