Três poemas de W. J. Solha

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SETE

O primeiro gole de cerveja – bem gelada – em dia demuito calor: perfeito!
Ronaldinho Gaúcho dando um lençol em Rey, driblando o goleiro Rojas e marcando seu primeiro gol pela Seleção Brasileira: perfeito!
O amigo Balduíno acocorando-se no que gira o corpo nos calcanhares e dispara – quase simultâneos – um tiro em cada vértice de um pequeno triângulo na parede, a vários metros de distância: perfeito!
Outro amigo, Vandal, há anos, rindo ao dizer, ante as barbaridades de toda a Europa:
– Só vi ética na Rússia!
Perfeito!
Ah,
Gene Kelly cantando e dançando na chuva: perfeito!
O abajur art nouveau, de Comfort Tiffany: perfeito!
A máscara mortuária de Tutankhâmon, de ouro e lápis-lazúli: perfeita!
Kathleen Battle cantando o Agnus Dei da Missa da Coroação de Mozart, Una Você Poco Fa, de Rossini, e Eternal Source of Light Divine, de Handel: perfeita!
O pas-de-deux de Vladimir Vasiliev e Natalya Bessmertonova no Spartacus de Khachaturian: perfeito!
O Las Meninas de Velásquez, pelos vãos que há entre elas: perfeito!
A coreografia de Pina Bausch para The Dance of Blessed Spirits, de Gluck: perfeita!
O quadriculado azul-e-branco nas torres mouriscas da Casa Vicens, de Gaudí: perfeito!
Homero, quando faz Heitor – ao chegar da batalha – tirar o elmo com enorme crina de cavalo, pra mostrar ao filho apavorado que é só o seu pai chegando de mais um dia de batente: perfeito!
Affonso Romano de Sant´Anna ao versejar que a catedral de Colônia é o Himalaia do Eu: perfeito!
Castro Pinto dizendo que a girafa tem um quê de Audrey Hepburn: perfeito!
Zé Limeira, ao rimar que se você for um filósofo, mandará fotografá-lo, e – sefor fotógrafo – filosofá-lo: perfeito!
Bill Gates, quando acreditou no software e previu o mundo tomado por personalcomputers, tornando ele mesmo isso possível: perfeito!
Larry Page e Sergey Brin,ao criarem o fabuloso site de busca para a internet: perfeitos!
Falar com a família pelo telefone – lá de Lisboa – como se você estivesse do outro lado da rua: perfeito!
A bela arremetida de um Boeing, deixando as mazelas do mundo pra trás: perfeita!
A ilusão de que o sol nasce, quando, na verdade, a Terra é que se move: perfeita!
A cintilante superfície do DVD com Rastros de Ódio, de John Ford, ou a Paixão Segundo São Mateus, de Bach: perfeita!
Ah,
um repente de Oliveira de Panelas, uma declamação de Jessiê Quirino, a ópera Nixon in China, de John Adams: perfeitos!

Claro,
hay momentos en que la vida se hace in  isopored,
mas nela há uma série de exceções como essas, suntuosa, pra torná-la experiência, apesar de tudo,
maravilhosa!

 

 

OITO

Quando Barcelona está pronta,
eis o Gaudí.
Eis o Velásquez que chega, quando está pronta Madri.
Pronta, Paris tem Rodin; e Amsterdam,
o Rembrandt.

Mas isto me dói:
sem a invasão napoleônica, nem Guerra e Paz, nem Tolstói.

Quando os Estados Unidos, em Milwaukee; a Itália, em Cremona; a Velha Inglaterra,em Derby
estão prontos,
têm a Harley-Davidson,o Stradivarius, o Rolls-Royce

e Dublin tem os contos, romances – vários – de James
Joyce.

Séculos,
pra que Brooklyn, Nova Iorque – where dreams come true– gere, além de
Manhattan, Rhapsody in Blue… eViena tenha o requinte de Klimt, quando Londres se permite Virginia Woolf e o Eliot na mesma Queen Victoria Street.

Olinda, porém,só tá pronta, tonta, quando pela Olandaabrazada
e eis – sem favor – a genialidade do Valeroso Lucideno e o Triunfo da Liberdade,
de Frei Manuel Calado do Salvador,
bem como – tire-se o chapéu – aHistória dos Feitos Praticados por Nassau durante oito anos no Brasil, de Barléu.

Séculos, até Os Dez Dias que Abalaram o Mundo… de John Reed,
e
Reds,
no mesmo pique,
quando Warren Beatty filma a vida do ianque bolchevique.

E …não haveria Os Sertões, sem o fim de Canudos… e de suas armas e varões.

 

 

ONZE

Todo ciumento – feio ou belo – é um otelo.
Todo parrudo é um sansão, hércules, tarzã, maciste, é ferrabrás; todo homem mau,
satanás.

Longo curso que envolve epopeia,
é odisseia.
E,
se o transcurso massacra,
trata-se devia-crucis,
deuma
via-sacra.

Do mesmo modo,
o que se vê é isto:
todo traidor é um judas,
toda vítima,
cristo.

Todo liderança é…messiânica.
Toda sábia decisão, salomônica, e a multidão,
bíblica.

Todo começo é um
gênesis,
um lindo lugar,
paraíso,
e,
se há um bombardeio, ciclone, erupção, tsunami, cismo, eclipse:
apocalipse,
assim como – é óbvio –toda multidão em fuga é um êxodo,
toda enchente,
dilúvio.

Todo embate – como o da América com Vietnã ou do Tom com Jerry, em que o maior se ferre – é uma das muitas vias
do de Davi e Golias.

Quem não viveu, já, uma cena homérica, shakespeariana,kafkiana,ou não teve uma dúvida vital,
hamletiana?
Quem já não se disse, com a causa perdida,
que tudo foi quixotesco
e, ante um espetáculo catastrófico,
que foi
dantesco?
Quem não viveu situação tão negra
que não a chamasse de tragédia grega?

Ah,
e quem opta por dor é
masoquista.
O básico, se gosta de maltratar:
sádico.

Quem já não disse que no meio do caminho há uma pedra
ou que tem complexo de Édipo
ou  de Eletra?

A… “ficção”…tem essa glória:
pôs,
em cada expressão que usamos,
a… história!

 

 

 

Waldemar José Solha é de 41, radicado na Paraíba desde 62. Tem vários romances e poemas longos publicados, alguns premiados nacionalmente. Participou como ator de filmes como O Som ao Redor e Era uma vez eu, Verônica. Lançou agora o “rimance” A ENGENHOSA TRAGÉDIA DE DULCINEIA E TRANCOSO, pela Penalux.
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This Article Has 1 Comment
  1. Rubervam Du Nasimento Reply

    Preciso conhecer mais o que escreve o Solha. Ele é moderno, inquietante, sonoramente perfeito no longo e de difícil feitura, nos poemas editados na Fechadura… O nome não me é estranho, mas não me lembro de ter lido nada desse cara. Irei atrás dele. Onde posso encontrar seu “rimance” A Engenhosa Tragédia de Dulcineia e trancoso? Deve ser um susto gostoso em meu pé de ouvido. Tem e-mail dele?

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