Três poemas de Danielle Magalhães

ADANI - Três poemas de Danielle Magalhães

 

 

 

carta aos gregos

entre o céu e as ruínas
eu quis te dizer
mãe
a grécia existe
e seria lindo se você a visse
por um momento
tenho vontade de antecipar meu desejo
de morar fora
só pra que você possa ficar mais perto
da possibilidade de ficar fora
uma vez na vida um dia
ver um pouco do resto do mundo
entre o céu e as ruínas
eu quis te dizer
existe uma sensação de possibilidade
que me invade só de ver
com as próprias pernas
que o mundo é grande mesmo
entre o céu e as ruínas
a vida é possível de muitas formas mas
não sabemos das mãos
que um dia construíram
todos esses vasos gregos
só sei das facilidades que me fazem
poder estar aqui entre o céu
e as ruínas
só sei das dificuldades que te impossibilitam
desde sempre estar aqui
te coloco onde você não está
e não é sem culpa que me vejo
aqui onde você deveria estar
ao meu lado
entre o céu e as ruínas
eu te contaria da vitória de atená
sobre poseidon
e juntas riríamos dos pirus
que faltam
nas branquíssimas estátuas
de mármore só há ausência
no corpo dos homens
a ruína também é a sua história
que não foi contada
aos gregos
eu diria de uma tal mortal
brasileira os deuses não sabem
da nossa história os deuses não sabem
dos restos das ruínas da sua vida eles nem sabem
que essa coisa de viajar é muito recente
para os brasileiros nunca houve muita saída
só foi a partir dos últimos anos para cá
que brasileiros começaram a viajar
entre o céu e as ruínas eu só posso estar
por uma série de facilidades
que minha mãe nunca teve
agora eu só consigo falar mãe
entre o céu e as ruínas
é difícil sem você mas
escrevo a nossa história
onde ela não está

 

 

começo

no começo era
ela
helena
para o ocidente
o oriente começou
com a queda
de uma cidade
no começo
do oriente
para o oriente
eu não sei quem era
o ocidente não sabe
que ele não começou
por ela
ele começou
pelo luto
da morte
de ifigênia
pela garganta
o sacrifício o sangue
nos olhos que moveu a guerra
tudo começou com uma guerra
que nem sabemos
se existiu
tudo começou
quando nomearam
de helena
a palavra
luto

 

 

***

entre o diálogo e o monólogo
há a guerra
o ser humano começa
a debater a debater a se debater
quero ver você falar de diálogo quando
quero ver
você falar
de diálogo
quando
a bala
atravessou aqui eu queria conseguir
falar mas depois disso chorei dois dias
com a irreversibilidade
travada na garganta
a ignorância é o conceito primordial quando alguém morre
morre uma história onde eu desaprendi
a falar a história começa assim
vou te falar
de uma maneira bem simples no princípio era
o verbo é
o caralho no princípio era
a violência
quando você fala
vértebra
a discórdia começa
quando você fala
ver
você fala vert
você fala há uma degeneração irrevers
quando você fala vers
quando você fala verso
há uma degeneração irreversível
no eixo que sustenta
o meu corpo
quando
você fala o acidente
é o fenômeno do percurso
versus a história que nos contam
você fala a história
das mulheres
começa
assim
como espólio de guerra o corpo
estuprado tinha que servir logo depois água e vinho
para o homem
vencedor ganhador estupra-
dor a história das mulheres começa
assim deus me deu pernas
curtas e pouca malícia e aquela fluência
que eu não tenho em nenhuma língua
viva estou em tempo integral
tentando errar o meu destino
para não coincidir com o nervo que falta
entre o estômago e o intestino da minha mãe
para não coincidir com o destino
da coluna da minha avó
para não coincidir com as dores
das mulheres que me criaram
para não coincidir com
o impedimento da vida na vida
tenho tentado errar o meu destino
para conseguir viver o luxo de viver
escrevendo do outro lado
não se sabe quantas vivem
quantas atravessam
quantas chegam quantas morrem
não se sabe
nomear
do outro lado
fui procurar
o exótico
achei tudo próximo
de casa
e tive fungo na buceta

 

 

Danielle Magalhães nasceu em 1990 e vive no Rio de Janeiro. É formada em História (UFF) e faz doutorado em Teoria Literária (UFRJ). Atua como poeta e crítica, publicando poemas e ensaios em diversos periódicos e revistas eletrônicas. Lançou o livro de poemas “Quando o céu cair”, pela Editora 7Letras, em 2018.

 

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This Article Has 3 Comments
  1. Jessica Campelo Reply

    Admiro jovens poetisas, e pretendo seguir uma linha de pesquisa sobre poetisa ou literatura feminina.

  2. José Pascoal Reply

    Excelente, Danielle Magalhães.
    Sobretudo, Carta aos Gregos.
    A seguir com toda a atenção a escrita desta Autora.

  3. José Pascoal Reply

    Excelente, Danielle Magalhães.
    Sobretudo, Carta aos Gregos.
    Uma Autora a seguir com muita atenção.

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