LITERATURA COMPARADA
Quando o MUNDO é um cruzamento
movimentado cujo semáforo pifou.
FUTURO é um cartaz de filme antigo
num cinema que já fechou.
ANGÚSTIA é esse instante
durando meses. AFETO
é uma conversa entre velhos amigos
no bar mais próximo ao velório de um deles.
MARCOS REY
foi meu Chuck Berry da literatura.
CARNE MOÍDA é o leite
condensado das misturas.
PAZ é sorrir por dentro. POSTAIS
são imagens pingando
das goteiras do tempo.
ENTRAR é o começo
de sair. “SER ORIGINAL
é tentar ser como os outros
e não conseguir”.
ACADEMIA é a repartição pública
do corpo. SIMPLICIDADE
é a superfície do topo.
FRACASSO é o abajur da sorte.
CANTAR é roubar
uns minutos da morte.
POSTAL
Daqui a trinta anos, digamos,
que alguém leia este poema.
Todos os pequenos laços
que o ligam ao mundo
fora dele e à vida de um
poeta fudido entre milhões
de pessoas lugares motivos não estarão
mais aqui para socorrê-lo.
Daqui a trinta anos a coisa
será somente a coisa mesmo.
Uma cápsula amputada do tempo,
um bife arrancado do amor.
SPOILER
Lembro que você me contou
uma história incrível.
Embora não lembre a história,
sou capaz de soletrar,
inclusive, a brisa que,
por um microssegundo,
inflou a cortina da sala.
(Um pedacinho de uma tarde
dentre as trilhões de tardes
que existiram naquela tarde.)
Lembro as pausas,
a música dos seus braços,
o cabelo tirado do rosto
no momento exato.
(Um bombom de ternura
com licor de naufrágio.)
MARCELO MONTENEGRO (São Caetano do Sul, SP, 1971) é um dos principais nomes da nova poesia brasileira. Os poemas aqui publicados estão em FORTE APACHE (Companhia das Letras, 2018), que além do inédito reúne seus dois primeiros livros na íntegra: ORFANATO PORTÁTIL (2003) e GARAGEM LÍRICA (2012). Em 2017, lançou o CD TRANQUEIRAS LÍRICAS, em parceria com o guitarrista Fabio Brum. O disco é um registro em estúdio do espetáculo homônimo com o qual se apresenta há mais de dez anos dizendo seus poemasao som de rock’n’roll, blues e jazz.
www.abacana.com
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