Trecho 1 – Seção “Da Existência”
[…]
Um embrião assente em diferentes sexos 🌾
Debruçado no mistério do oxigênio:
46 cromossomos se enfileiram atônitos
Em apêndices de antônimos.
Nós passaremos – alamedas encarceradas.
Nós alçaremos – árvores remediadas.
Nós apreciaremos – amor e ódio, face-a-face.
Isso é o mesmo! Se lamentar ou usufruir,
Se navegar ou rejeitar, correntes e enlaces
Rumarão na turva projeção do ventre.
Um novo ventre que formará outro ventre.
Isso é o mesmo! Se navegar ou consumar,
Se prantear ou recomeçar, novos saberes
Rumarão nas margens das miragens.
Até descobrir hemisférios indefinidos.
Até compreender o que hoje definem
Como dois mil e dezessete anos.
Após dois mil anos da probabilidade de
Milhões de animais e humanos
Terem vivido melhor do que nós.
Entre reflexões que impulsionam a
Barriga que se dilata em 9 meses:
Há uma realidade que se esclarece.
Na cópula que se arranca
Dos corpos,
Rastejam ouros
Uns nos outros.
Penetrando o pênis no
Buraco da vagina,
O pênis no
Buraco do ânus,
Inteiros dialetos
Da boca –
Úmida por fruição –
Alcançam o fundo mar.
Estimam alto o seu par –
Sexo sobre sexo. Mãos sobre mãos.
Fodendo-se na vertigem dos milênios.
Não sabendo quais nuances celebrarão a
Fratura do crescimento com a neblina
Originada na extinção dos dinossauros.
Um gozo expande a vivência
No permanente Big Bang.
Homens e mulheres, definiram.
Janeiro a dezembro, celebraram.
Mesmo sabendo que setembro é o mais cruel
Dos meses, nos receberam respirando
Dilemas abaixo da terra mortal, em
Perecíveis precipícios e arcabouços.
Habitamos nas brasas dos gêneros.
Houve uma origem desvinculada,
Lenta historicidade que sigo a contar.
Circulando ardências, ladrilhada de brilhantes,
Cruzando as costas em neblinas retilíneas.
Cuspindo vozes no rastro senil das ideias.
Cuspindo o grito que nos incendeia a íris.
Acossados e trêmulos – tom-sobre-tom –
Rastejando no oco do espelho invisível.
Tudo acontece porque crescemos no útero.
Estabelecendo as transições dos séculos.
Estabelecendo as posições dos retratos.
Tudo acontece porque partimos,
Moldando o que mensuramos
A origem do pensamento.
[…]
Trecho 2 – Seção “Da Experiência”
[…]
Inerte. Penso, repenso e observo.
Terra, Fogo, Água e Ar – Navego nos
Perímetros de cada tecido celular.
No diâmetro dos pulsos.
Arrancando do seu interior
Impensáveis revelações.
Na consciência que se assanha
Pelos cílios, que de tão
Coléricos fissuram, dizimando as
Lembranças das horas escorridas.
Comendo frutos maduros – Navego na
Lama do abandono e da alienação.
Cada vez menos e cada vez mais
Inerente à finíssima linha de amebas,
Dependuradas nos ares das avenidas.
Ferro e fogo costuram minha força –
Frágil biologia dos escombros –
Psicologia rompante, em
Retiros e posologias –
Proponho a toda arte longa espera.
Na lama do abandono e da alienação.
Levanto. Mais mortal que antes.
Chafurdo, na bruma do dever e do querer.
Prevendo e caçoando os enigmas no
Medonho calabouço do remorso.
Há um memorial no circuito de nós,
Eletrocutando as unhas na madrugada.
“Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!”
Os olhos são cordas manejando pulmões –
Quanto mais puxo a memória,
Mais a estico na respiração.
O teto é um seco oceano.
Mas defendo o que exalto dos adeuses.
Culpando o passado que é presente –
Sou uma estranha às entranhas.
Veia das veias sugando coronárias –
Hasteada na missão de sobreviver.
[…]
Trecho 3 – Seção “Da Extensão”
[…]
Está grande. Está longe. Está lá.
A vida que eu gosto de inventar –
Menino, menina, mulher, homem,
Não-binário, travesti, transexual.
A vida que eu gosto de inventar –
Olhos, mãos, buços, bicos, bocas.
Órgãos se inflamando e cheirando
A feiura de tudo o que é meu:
A vida que eu, enfim, inventei.
Me chamam de ceifadora –
Deviam me chamar de mar.
Azul, azul, como os oceanos.
Me chamam de ceifadora –
Deviam me chamar de amor.
Azul, azul, como as transas.
Sou a Morte, ao seu dispor!
Vastidão. Precisão. Altar.
Memória inerente e remota.
Distorção do centro infindável.
Ignota dilaceração que a
Humanidade jamais tocará.
Ludíbrio que se prenuncia:
Quando não havia o tempo,
Quando não ardia o sol,
Quando não partiam aves,
Quando não construíam vales,
Quando não sentiam fome,
Quando não nasciam seres,
Quando não urdia a existência,
Quando não cresciam as árvores,
Quando não percorriam as terras,
Quando não agia a experiência,
Quando não explodiam os miolos,
Quando não ofereciam as canções,
Quando não preenchiam o vazio,
Quando não reluziam as estrelas,
Quando não reagiam os egoístas,
Quando não possuíam as geografias,
Quando não ferviam as águas,
Quando não fulgia a extensão,
Quando não exigiam a inocência,
Quando não emudeciam as discussões,
Quando não sentiam o ódio,
Quando não feriam o amor,
Quando não distinguiam as cores,
Quando não restaria os pares,
Eu já existia! Sozinha.
Pairando no centro do epicentro.
Quando ainda não cresciam raízes –
Escavava as covas e os buracos negros.
Universum,Universe, Univers: Meu!
Muito mais do que qualquer Deus!
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Criando as massas e as montanhas.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Procriando as frutas e os sais.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Convidando a natureza e os seres.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Curvando as matas os tetos.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Caçando os animais e os cristais.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Cavando os conflitos e as acordos.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Convocando os deuses e os espelhos.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Colecionando os homens e as mulheres.
“Procurei-me na luz, no mar, no vento.”
Comovendo a mim! Como Deus!
Extensão – murmurante sátira que levanto.
Extensão – grunhido de névoas que espanto.
Viver é (só) morrer? Morrer é (só) viver?
Perguntavam, tinindo e rosnando –
Vociferando no enxofre solar,
Pasteurizando o auto inadiável.
[…]
Mariana Basílio nasceu em Bauru, interior de São Paulo, em 1989. Escritora, poeta e tradutora. Mestre em Educação (Unesp). Colabora em portais nacionais e internacionais. Autora dos livros de poesia “Nepente” (2015) e “Sombras & Luzes” (2016), foi contemplada como apoio ProAC 32/2017 do Governo de São Paulo, publicando o seu terceiro livro, o poema longo “Tríptico Vital” (Patuá, 2018), que será lançado no dia 5 de setembro na livraria Tapera Taperá, em São Paulo. Site para contato: www.marianabasilio.com.br
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