iTake one: Paloma na Rua!
(ou- somos todos palomitas)
*
eu vi uma pomba n’água
jacuzzi asfaltada em sol de domingo
banhava suas penas
e era mais feliz do que eu.
se morreria atropelada no instante seguinte…
se lhe jogariam migalhas…
eu não acompanhei.
mas, a pomba em seu banho tranquilo
deixava os carros passarem por cima.
ela habitava o entre-pneus, sereníssima.
os autos atravessavam a úvula, violentos
nessa garganta de rua
morava uma tosse
duas avenidas
e uns atropelamentos.
.
**
lembrei de outras pombas
uma morta, outra em cima
cuidando do corpo
senti uma inveja animal
do bichinho morto
incitando carinho…
e ainda outra, que gostava das marquises
e outra, vida loka, fio elétrico pulsante
e outra, sempre lhe davam pãezinhos
e nunca tinha fome. eu trabalho
e mesmo assim, às vezes, como pouco
como barato. às vezes, nem se come.
***
eu viajo nas pombas, porque sei
passarinhas francesas, bonitinhas urbanas
um privilégio e muitos filmes românticos
mas arara-azul mesmo… já quase não existe!
vi uma, adestrada exótica
na lagoa rodrigo de freitas
estava triste e era nossa…
eu também sou nossa (e não estou feliz)
tampouco, conheço a frança
eu já engasguei com croissant
quase morri
quando criança.
para sair do buraco é preciso ver o buraco
tenho um prego cravado n’alma
algo entre fuligem e ferrugem
uma impressão tetânica
e a certeza de que o melhor do tempo
esteve pendurado.
não sei pregar nenhuma palavra capaz
de subtrair o peso das paredes caindo.
eu sempre fui chapisco
pedra bruta
hoje, pedaço de reboco:
eu não sei mais nada além
das minhas grandes demolições.
ontem, eu pensei na casa antiga
onde amei a mesa
onde tantas coisas foram postas
importantes
a serem devoradas por mim.
hoje, um devir que se mastiga, sou
alimento preferido de uma vida que
invade meu peito
com azedume em bandeja.
à fome, sucumbo…
o talho profundo…
e o tal buraco do prego
exige que eu o veja.
(esteja no mundo!)
Neneca
(para as avós do mundo)
tinha nove anos
e as mãos frias.
na pisada morena
dedo já branco, nem sangrava
lascado com foice, na enxada…
batata-doce, quando não faltava
e pão de sal no sonho, só.
a padaria era a metafísica
que fermentava o futuro
quando o presente de Minas
era agora, a Volta do Peão
pra casa:
esteio de aroeira
em brasa.
o peito ardia
a fornalha do trem.
Carangola:
Neneca vêi di lá “inda” neném!
Be the first to comment