Desconfio do espelho
com cores formas fendas traços fachos contornos molduras
sombras sobras réstias restos reflexos convexos
do que não sou.
Prefiro a luz
que arde os estilhaços do meu corpo são.
***
levanto bandeira arrastada rasgada desfiada esfiapada remendada pelo asfalto frio seco das pegadas firmes das alpargatas gastas
mãos tímidas trêmulas inseguras seguram sem cor
bandeira em estado verdegetativo
tremulando
trepidando em mãos torpes.
tecido natimorto
verde amarelo anil branco vermelha roxa natureza morta.
***
A pé
descalço
faço
do percurso
o percalço
Sigo o curso
tropeço
torço
(pela luta)
o tornozelo
o torso
o pescoço.
O foice e o martelo
são minha flor e desespero
Sou a máquina do mundo
que gira roda
sem parafuso porca rosca
mas sempre em frente
pero a la isquierda
sem perder a tesura
a tessitura
o jogo de cintura.
***
Um dedo de prosa erótica
A solidão que me desampara é a mesma que me atiça. É por esses ímpetos que meus dedos, na calada da noite, dançam um balé imaginário pelo corpo. E deslizam firmes pelo caminho exato, abrindo passagem para meus contornos, fibras, dobras. Encontram o macio de meus lábios salientes, tensos, tesos e nada tímidos, que não relutam em aparecer. É pela trilha conhecida que rasgo fendas adormecidas e mergulho pra dentro do declive de mim mesma, pele e alma juntas, onde encontro o muco gozozo, que tremula e anseia o alheio. E é por onde me resvalo para uma física, metafísica e poética mini-morte súbita, que pulsa e repuxa latejante para a vida.
MEIRE VIANA– Professora de Português e Literatura, com Mestrado e Doutorado em Letras. É poeta experimental neoconcretista. Dialoga com o Concretismo, o Neoconcretismo e a Poesia Marginal dos anos 70, em suas referências. Autora da página Palabirintrusando. Tem poemas publicados em algumas revistas literárias eletrônicas e outros tantos inéditos para publicação em livro. É frequentadora de saraus poéticos na cidade natal, Fortaleza.
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