FERNANDO ANDRADE – Há uma relação entre eventos que podem parecer fantásticos, mas de uma certa forma são intermediados pela fé, pela convicção, até uma certa, exagerando um pouco, doutrina. O pai tem certeza que levando o filho ao alto da montanha ele será “salvo” da morte. Como o fantástico apareceria por entre estas brechas do acreditar?
ROGER LOMBARDI – No caso, tudo que envolve algo que não podemos explicar pode ser considerado como fantástico. Em última instância, qualquer ato de fé, não havendo forma de explica-la pelo conjunto de informações e símbolos dos quais já entendemos, também pode ser considerado como algo fantástico. Não apenas a fé, como também a morte. Entendemos a morte, mas apenas de forma parcial. Sendo assim, também um elemento fantástico. Fé e morte estão intrinsicamente ligadas, mas apenas a fé necessita do acreditar. Então, o que seria o acreditar dentro dessa linha? Talvez seja a própria crença em si o elemento fantástico.
FERNANDO ANDRADE – Há uma forma de mover seus personagens que estão talvez submersos em um certo desespero talvez por uma paralisia, em encontrar um fio por mais tênue que seja de redenção. Aqui novamente volto as aparições de personagens que aparecem do nada para ser uma espécie de teste? pois estes eventos aparecem sempre por meio de luzes que certa forma cegam uma realidade visível. Como você trabalhou os elementos que quebram esta fé no real? e também se há algum elemento de culpa por traz de seus personagens?
ROGER LOMBARDI: Toda vez que você quebra uma linha de símbolos conhecidos, temos o fantástico como novo elemento de condução dessa linha. Quando isso ocorre, essa linha, então, é puxada para outra direção. As respostas a esses estímulos são muito particulares, mas há sempre uma força na ideia de que o desconhecido é a própria morte. Sendo assim, não é difícil que procuremos redenção por meio do desconhecido – seja por fé ou por morte. A redenção é ligada quase sempre a um sentimento de culpa, mas está ligado a uma noção de sociedade que não pode fugir da linha de símbolos já conhecidos e aceitos. E talvez aí esteja a materialização de nossos medos. Como lidar com eles é a questão central.
FERNANDO ANDRADE – Há um elemento interessante no percurso que muitos dos seus personagens fazem como na floresta, o percurso de Carlos pela estrada. E neste ponto há uma conflagração do insólito, do miraculoso brotando da onde menos se espera. O percurso é um bom elemento para a fantasia, e o fantástico aparecerem?
ROGER LOMBARDI – Sim, toda vez que há um caminho, uma jornada, há uma necessidade de mudança e é na mudança que surge o elemento novo. No teatro isso é bem claro. Uma peça não pode terminar do jeito que começou, nem seus personagens. É preciso mudança. Agora, esse caminho pode ser real ou apenas imaginário. No conto A Cadeira, por exemplo, a jornada é apenas mental, mas ela é tão intensa (ou até mais) do que a dos demais contos.
FERNANDO ANDRADE – O afeto é discutido por você no conto A cadeira, como um corpo pode ser apresentado para um ser que se deixa afetar. Ele seria? tão maleável quanto a cadeira que molda algum conforto ao ser que se molda à ela?
ROGER LOMBARDI – Acho que o afeto sempre está mais ligado a quem espera por ele do que a quem recebe. É a expectativa do outro que molda esse afeto. Nesse conto específico, é a personagem Joana quem possui a expectativa, por isso as emoções mudam de acordo com o andamento da história. O alvo do afeto está sempre imóvel, sentado. A ligação dele é com a cadeira. Todas as mudanças se dão dentro da outra personagem. Em um nível diferente, no conto Morangos isso se dá da mesma forma. Então, acredito que sim, é possível moldar os sentimentos de acordo com nossa expectativa, para o bem ou para o mal.
FERNANDO ANDRADE é jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018, o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie pela Editora Penalux.
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