“Saqueando solidões, um vil pirata” – Três poemas de Tatiana Alves

Tati 2018 - "Saqueando solidões, um vil pirata" - Três poemas de Tatiana Alves

 

 

Vaticínio

Quando nasci, um anjo torto,
E, de quebra, feminista,
Mais torto até que os demais,
Selou de vez minha sina:
Taxou-me de encrenqueira,
E me passou a bandeira
Da desdobrável Adélia.
Depois, olhou-me nos olhos,
Sentou-se ali do meu lado,
Chorou, como faz um homem forte,
Sentenciando o meu fado:
Vão te chamar de histérica,
Barraqueira, feminazi,
Mas tua mente é aberta,
Feminista, kamikaze,
E, ainda por cima, poeta!

 

 

Nunca mais

À noite, quando tudo é tão difuso,
E um vulto, na neblina, bate à porta,
Indago-me, entre cético e confuso,
Se seria a Esperança, que conforta.

A batida é firme; e forte, meu intruso,
Aquele que o meu sossego corta.
Ignora o porquê de eu ser recluso,
Logo agora, que nada mais importa.

Como ave de rapina, desde Poe,
Crocitando dos umbrais, insuportável,
Saqueando solidões, um vil pirata,

Também esta, para quem um dia amou,
Exibe o seu caráter implacável:
É a última que morre, mas me mata.

 

 

Costura

Tal qual uma lagartixa,
Que solta a cauda ao se sentir acuada,
Despisto meus inimigos,
Deixando pra trás partes de mim.

E, também igual a ela,
Refaço meus pedaços e me recrio após o ataque.

Mas supero a lagartixa:
Ela só perde a cauda uma vez
E esta se refaz.
Já eu sempre me reinvento,
Remendo e refaço,
Recrio e renasço,
Cada vez mais.

 

 

 

Tatiana Alves transgride em poemas, comete delitos literários em contos, crônicas e ensaios e viaja em livros infantis. Rabisca na Revista Samizdat e no site Escritoras Suicidas, já tendo rascunhado nos sites Anjos de Prata, Cronópios e Germina Literatura. Possui trinta e um livros publicados.  É Doutora em Letras e leciona Língua Portuguesa e Literatura no CEFET/RJ.

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