RAYUELA
Eu te via surgindo rapidamente de dentro das minhas vísceras
Suas unhas plúmbeas escondidas entre as algas vermelhas dos meus cabelos
e um hálito de hortelã evaporando com o vapor barato dos azulejos
Noite de ventres alaranjados escorrendo entre meus dedos úmidos
Seu sexo estendido roxo como uma fruta madura na palma das minhas mãos.
Estações alternadas entre dias e noites cada vez mais quentes.
Um silêncio ventando manso pelo casaco roto pendurado no varal.
E eu te achava lindo fantasiado de marinheiro no carnaval de 76
listras azuis recortadas sobre um pedaço do mar encardido no tempo
tatuagens coloridas desenhadas sobre a pele morena dos nossos hematomas
suas mãos de pássaro desfazendo os nós apertados entre a fumaça dos meus pelos.
E nós saíamos desesperados pelas veredas e vielas do esquecimento
Onde Ofélias, Emílias e Diadorins seguiam vagarosas os passos dos nossos beijos
Escrevíamos poemas e brindávamos loucos em parques noturnos com estátuas lentas
Embriagados tirávamos nossos coturnos e desdobrávamos nossos sonhos
em dedos deslocados com agilidade pela penugem dos meus seios.
Tempo das estrelas de onde a noite se precipita
Seu corpo retirado do tempo de dentro da minha lembrança
A valsa lenta dos corpos ressurgidos na cópula das nossas danças
Sua imagem de anjo negro guardada na memória de um guardanapo escuro.
EU
Sou do mês de janeiro
a morte me habita
nasci da tempestade
começo pelo fim
Eu sou filha de Saturno
e lavo as impurezas lilases
das carnes lubrificadas
que restam pelo caminho
Eu sou filha do tempo
carrego um escudo por dentro
atravesso insensível os campos
germino em corpos noturnos.
DNA DE JONAS
A ninguém mais causa desejo
o herdeiro de aparência insólita
que só recebeu do pai
a ordem de pescar.
Do seu corpo tatuado de ausências
espia um velho estarrecido
que se recusa a falar.
Ninguém mais causou desejo
no cavaleiro que contemplou calado
sua herança de miscigenação âmbar.
Seu sexo estendido entre os dedos
penetrou uma prostituta
que ele ajudou a embalar.
A ninguém pode causar desejo
a imagem de um menino sem tempo
e sem pai para imitar.
De dentro do sermão do medo
surgiu o sonho de uma baleia
que ele pretende matar.
Vanessa Molnar nasceu e vive em Santo André, é historiadora e mestre em Estudos Culturais pela USP e autora do livro Crônicas de Uma Tara Gentil, editora Escrituras.
teu verso
transverso
tão torto e diverso
reverte o reverso
do meu