Dezoito de Outubro
Tudo atribui ao cansaço um corpo falho de mundo… uma farpa no olho do que se quis infindo no oceano da beleza atravessada das inquisições. Mais adiante do que o profundo, não é preciso defender-se no inferno das devastações do humano. Porque há uma flor que não desiste no peito, e especializa-me no sorriso do desarmar das armadilhas que me rezam e que me trazem na desalma dessas noites, desses dias desprotegidos de lutar, quando os alheios preenchem, cada vez mais forte, o currículo de minha sobrevivência, no ato exato de salvar-se, nas salve-rainhas, nas mães de misericórdia, nos pais nossos que giram nos pulsos normalizados pelo sono, nos acordes dos salmos das discórdias, nas instâncias desprezíveis das instituições partidas no dever do bom exemplo. A justiça é manca, mas eu contemplo os ligamentos das nuvens nas articulações dos ossos no céu… mergulho os joelhos em vinagre e sal na falta de comprimidos esquecidos de comprar no caminho de volta para casa que nunca tive, por recesso de prosperidade que o lugar exige. Enfaixo os rompimentos, os lamentos nas dobras das palavras, preparo-as para o livramento. Mas isso é só arte. A morte recomeça é depois. Do firmamento. E a flor deve nascer de um azul mais pleno. Deus devolve a cada um o seu veneno. No sereno certo do tempo que atrofia. A flor confia no resto de dentro.
Liames
porque eu serei contigo
nas efígies dos milagres
nas coisas que não digo
pelo lacre nunca antes
convertido
eu serei contigo
nos liames mais antigos
nas cordilheiras derramadas
desmanchadas nas avalanches
e outros chamados.
eu serei contígua
ponte aguda nas fileiras
dos anjos de ajuda das trincheiras
e sorverei o azul salgado
dos naufrágios
pela boca
das palavras
enquanto puder
salvar a fé
dos afogados
Serei um coágulo
logo à frente da febre
aberta
um sol apostado de quimeras
desde as.
Até o chorar do chumbo
Reconduzir a chuva
por dentro das agulhas
até a palha movediça
das procuras.
Achar
no injusto
avesso das costuras,
a escuta de um pulso
bordado em índigos relevos.
Fluviais. Primevos.
Lavar os nervos
nas pedras,
lavar também as pálpebras
entreabertas de tudo… lavar
até abrir a pedra.
E alinhavá-la
no anti-coração das coisas.
Fazer a manutenção das nuvens
tecelãs de anjos…
até o chorar do chumbo.
Patrícia Claudine Hoffmann nasceu em São Paulo-SP, 1975, mora em Joinville, Santa Catarina, desde 1981. Graduou-se em Letras pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, em 2004. É professora efetiva da Rede Estadual de Ensino de SC., onde leciona Língua Portuguesa e Literatura. Autora dos livros de poesia: “Água Confessa” ( 2001 – Editora Letradágua), “Sete Silêncios” (2004 – Editora Fundação Cultural de Itajaí), “Matadouro Imperfeito” (2016 – Ed. Letradágua), “Feito Vértebras de Colibris” (2017 – Marianas Edições/Bolsa Nacional do Livro) e “O Livro de Isólithus” (E-book. 2018 – Ed. E-galáxia). Mantém o blog www.espoliodosol.blogspot.com, as fanpages “Espólio do Sol” e “Matadouro Imperfeito”. Integra antologias e tem poemas publicados em revistas digitais.
“Achar
no injusto
avesso das costuras,
a escuta de um pulso
bordado em índigos relevos.
Fluviais. Primevos.”
Lindo! Parabéns, Patrícia!