ADRIANE GARCIA– Poeta, nascida em Belo Horizonte, MG, cidade onde reside. Em 2013, seu livro Fábulas para adulto perder o sono ganhou o Prêmio Paraná de Literatura, na categoria poesia. Lançado pela Biblioteca do Paraná, teve segunda edição pela Confraria do Vento. Em 2014, publicou O nome do mundo, poesia, editora Armazém da Cultura; em 2015, publicou Só, com peixes; e em 2016, Embrulhado para viagem, na Coleção Leve um livro, organizada por Ana Elisa Ribeiro e Bruno Brum.
FERNANDO ANDRADE – Seus poemas não começam a ser interpretados no primeiro verso. Há um interessante diálogo irônico entre o poema em si e o título que você dá a eles. É quase uma conversa sutil entre eles e o poema. Como foi criar este diálogo?
ADRIANE GARCIA – Eu gosto muito de criar o título assim. Muitas vezes o título que escolho é o verso final, o que seria o verso final. Gosto que o título seja uma chave para o poema, algo que o transforme sem tirar dele a significação que, sem ele, também poderia ter compreendido o leitor. E acho bem interessante a leitura que repara nisso.
FERNANDO ANDRADE – Queria falar da importância que deve ou não se dar aos poemas. Pois uma garrafa ao mar é um pedido ou uma mensagem que se envia a algum destinatário (perdido)?. Mas quando você fala dos poetas e dos poemas você tira peso ou lhe dá uma relevância que tá fora do sinal de altruísmo\bondade. Lembrei dos romances do Milan Kundera, onde ele criava ficções onde se pudesse retirar peso da condição humana, ou através do riso ou de uma pluma descendo de algum lugar, com sua etérea leveza. Como foi tornar seus poemas tão reflexivos e tão leves ao mesmo tempo?
ADRIANE GARCIA – Penso que organizar um livro é pensar também neste peso que se pode dar ou não ao todo. Quando organizo um livro procuro me ver como a leitora que sou. Gosto dos livros que me levam até determinada tensão, mas que também sabem desfazer isso em algum momento para retornar novamente. É um pressuposto de cena ou de dança, se você mantiver tudo num único patamar emocional a falta do contraste dilui o efeito, amortece. Ao contrário, o contraste, a sinuosidade, produz mais efeito, mantém o jogo mais interessante. Gosto que seja pesado e leve.
FERNANDO ANDRADE – É interessante como vi certas lacunas ou espaços em branco entre os versos, onde o leitor tem seu trabalho crítico de corresponder à sua poética ou tendo um sorriso no canto da boca, ou se identificando com medida exata da sua ironia. Como foi ver estas entrelinhas onde até pode ter uma noção de escrita do leitor? Pois se ele reflete junto a você, ele rubrica seu texto com comentários?
ADRIANE GARCIA – Sim, o leitor é co-autor. E gosto de explorar muito isso. Acredito na literatura que tem clareza, mas que permite o espaço de imaginação de quem lê. Gosto da sugestão, da ironia, da insinuação. Gosto desse riso no canto da boca do leitor, da amargura que pega desprevenidamente. Gosto disso como leitora e, por isso, minha poesia tentar oferecer essas sensações.
FERNANDO ANDRADE – Queria que você falasse sobre a violência. Estamos próximos à eleição. E parece que há um culto a ela. Sinto que o masculino está se perdendo, vejo homens portando armas, além de uma agressividade torpe que apaga qualquer possibilidade de contato entre diferenças. Fale um pouco disso.
ADRIANE GARCIA – Como me atrasei na resposta a esta entrevista, justamente porque estava envolvidíssima com a eleição, agora já é fato que o masculino se sobrepôs ao feminino, mas somente na forma. Está no poder um grupo de homens; homens da pior espécie, em minha opinião cidadã. Mas o feminino, as mulheres, os homens que têm procurado se desconstruir, pensar sobre o machismo – os da melhor espécie, os integrantes das minorias que têm consciência de sua identidade, negras e negros, LGBTs continuam em todos os lugares da sociedade. Tenho esperança que para além da forma, o espírito agora se imponha; tenho esperança de que nos voltemos com força redobrada para a micropolítica e, como disse Chico Buarque: “Vai passar”.
FERNANDO ANDRADE jornalista, poeta e crítico de literatura. Colaborador da Literatura & Fechadura.
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