Sempre me pergunto o que é padrões de bom comportamento. Existe? uma cartilha psicossocial onde atualizamos pessoas de acordo com seu crescimento humano pelas ações que demandam deles civilidade, adaptação, otimismo. A relação familiar demanda uma expectativa enorme, pois os pais criaram dentro de si abismos emocionais gerados pelos seus pais; há uma caixa preta fechada de emoções recalcadas e travadas que passam à diante na perpetuação da espécie. A individualidade é um mito, pois crianças e adolescentes são formados não só para serem “boa gente” mas também para herdarem “genes” dos pais em relação à atitudes, padrões culturais.
Keiko, a personagem do livro Querida Konbini, da escritora Sayaka Murata, (editora Estação liberdade) tem um grau de independência financeira, pois mora sozinha numa espécie de quitinete, trabalha numa loja de conveniência muito popular no Japão chamada Konbini. Para a família e amigos, há um adendo ou porém, neste status da personagem. Ela trabalha lá sua vida inteira desde dos 18 anos, e ganha por dia, não sendo contratada. Relações sociais onde há certo grau de emparelhamento emocional onde se medi os outros pela capacidade não só de gerir sua vida profissional, mas também tê-la como mote ambicioso, onde o que se conquistou em pouco tempo jão não é suficiente.
Numa sociedade onde nos medimos como uma régua pelo que outros tem ou faz, como se auto-analisar? diante de nossas próprias conquistas ou ambições. Keiko à princípio, não liga. Mantém seu trabalho na loja super bem feito, é pontual., mas se despersonaliza à ponto de adotar uma postura e voz uniformizante com outras funcionárias. Ela some diante de uma individualidade operante, que requer trabalho, pois exige posição, além de aquiescer. Sayaka faz um minucioso trabalho de carpintaria psicológica da personagem, mas ela não categoriza sua criação emitindo juízos. Deixa Keiko livre e liberta para ser conforme suas peculiaridades- idiossincrasias. O romance traça dentro não só do Japão, pois rebate em outros lugares, as relações de gênero, onde se cobra uma postura afetante, sobre a capacidade de afetividade ou de doação desta afetividade ao outro. Há uma cobrança entre casar e ter filhos e ter um certo destaque profissional, que afeta a capsula matrimonial.
Muito interessante notar quando Keiko conhece um colega de trabalho que logo depois é demitido. Mas ela o encontra na rua, e leva-o para morar com ela. Ambos, deslocados de uma sociedade hiperativa e controladora, vão se medir em relação ao atos projetivos como relação às suas deficiências para com a ordem social, mas cada um encontrará no outro uma forma de adequação desta inadaptação, ou criando um espécie de laço de mimese para não ser devorado pela visão do entorno.
cotação – ótimo
FERNANDO ANDRADE, jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria , e Enclave ( poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018 o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie, Editora Penalux.
Be the first to comment