“(mas o que é uma voz ante ao silêncio?)” -Três poemas de Paulo Nunes

 

 

 

Alfredo: a chuva

 
Estrelas me balouçavam
dormi com o perfume de teu vestido
o único que conheci
– que cor era aquela, indissolúvel? –
por isso guardei-o com
a voz mais demorada
(mas o que é uma voz ante ao silêncio?)
nos cílios de meu baú,
as sete chaves de minha adolescência
Não era Círio,
vislumbrei o barco de atravessar,
havia um arraial e desenhei
em ti meu
primeiro conto de fadas.

 

 

 

Ceia

Para Vânia Maria

 
Sobre nossas cabeças
a libélula paira como se
estivesse a sonhar.
Anagramático, teu coração instiga-me
ao idioma dos comensais.
Vinho, velas, olhos, mais a
maresia do tato em direção ao sol-a-se-por,
esse exílio fimbrio na estrada,
fruto dos pássaros que assaltam
eles assomam novos
goles a seus códices de talheres
eles dançam uma ciranda de roda,
assuntam um período
composto por insubordinação.
Teu prato é nebuloso no cio desses dias
e teus olhos obliteram
a chave do chamado;
recorro a eles como um velho
lençol de algodão que celebra o soluço
dos torturados.
A distância é rio, três margens, fronteira,
Oriente,
O mapa é íngreme, eu sei;
Mas o atravesso como quem chuta latas
na poeira líquida da tua Via Láctea.

 

 

 

Eutanázio chove

 
matrizes: mãe e mulher,
dupla face, ou a inimiga
que mão é mão não pode
manusear-se?
a paz era buscada como
peixe que chega
à tona para armazenar-se;
o mundo e seu princípio se (en)
cerra.
pelo punho da rede escorre
uma serpente:
ó de Uroboro converte,
EUtanázio.

 

 

 

Sou, Paulo Jorge (etimologicamente, “pequeno agricultor”), poeta dos que viaja e retorna a seu lugar de origem. Sim, sou filho do asfalto, embora respire toda água amazônica que a floresta destruída proporciona, ainda. Meu berço são os rios poluídos que vejo da janela todos os dias, esta experiência transformo em palavras. Escrever é o tentar dizer-se por completo. Forma consciente de Ilusão. Nasci em Belém do Pará, sou professor da Universidade da Amazônia; integrei o geração Texto e Pretexto; para mim a palavra bifurca-se em duas experiências: a dos textos didáticos (rios emaranhados de ensaios e estudos) e a dos textos poéticos, escrita para crianças, jovens e adultos, donde destacam-se Gitos, meus minicontos amazônicos (Paka-Tatu) e Banho de Chuva (Amazônia).

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial