“inventamos um muro depois derrubamos” – três poemas de Carolina Turboli

Carolina Turboli é MULHER MULTIARTISTA. Como atriz, poeta, romancista, compositora, cantora, dramaturga e professora. Carioca, mestra em Literaturas Africanas e co-fundadora da Disk Musa. Publicou os livros de poesia “Lugarum”, “Teatro de Ostra” e o romance “Para que eu não ande vagueando atrás de Mel”. Escreveu a peça “Tempo de Solidão”. Produz conteúdo online para empresas e atua como artista no Rio de Janeiro.

 

 

 

GASLIGHTING

 

não me venha com tuas palavras

te acalma mulher você devia

rever teus traumas quando eu

estiver à vontade

eu lhe procuro

enquanto isso escreva muito

teça e desteça mas não use

minhas bolas nem adjetivos meus

meu falo é no Imperativo

na realidade eu estava bêbado

quando te disse a verdade

eu não sei onde estarei amanhã

estou investigando o umbigo

pós-contemporâneo

você é muito intensa

é muito forte, eu hein

parece uma bruxa

estou com medo de ficar com                você

no escuro

agora tá com essa mania

de escrever o que eu digo

de sair da minha órbita – Carolina

precisa saber da margarina

O que é isso, meu amor? Que

História é essa dos vencidos?

Não

escreve mas não atira

Não é isso que é morrer de amor

 

 

 

SATURNO RETRÓGRADO EM ESCORPIÃO

 

I

tô cansada

de ser sua bruxa

de buscar ternura

em seu petróleo

 

ódio de ser feliz

com a faca

no mesmo baço

 

você retalha sua vida

amorosa com agulha

artística

justifica com nomes europeus

(nietzsche, sartre, foucault, rimbaud)

enquanto conto os 1700 dias em que piso sem querer no teu nome

e ainda encontro alimento

 

você economiza loucura como se sua

intelectualidade fosse um emprego

 

II

será pai

ou inventará lucidez com camisinha

e falará comigo como se a vida não fosse suja

ou sustentará a utopia da paz apaixonada

das mulheres indefesas e inofensivas

 

III

eu sou a louca dos pombos

que você às vezes esquece

de cumprimentar

 

a louca pra quem você se queixa

escondido quando não há ninguém

na praça

 

as pessoas se aproximam de mim e

me querem por perto meditando:

devo avisá-las?

 

devo esperá-lo

(eu não deveria te dizer

mas não trouxe nenhum pano)

 

IV

não decido nunca

sinto ódio

é preciso sentir mais

até que não sobre nenhum pombo

é preciso sentir

o ódio grande que dispensa

o apocalipse com o seu terrível

desprezo

é preciso falar do feio para vê-lo

me chamar de mística

e soltar de vez o fogo preso no estômago

esperá-lo roer a cicatriz com o dedo do meio

no impulso

 

que o fogo queime tudo

que sobrou não sei

de que dias

 

V

não sei a que dias nos referimos quando nos falamos

nos poemas não lembro da sua voz o tom escrito

petulante sim eu lembro e odeio também

 

e os olhos de fogo? também lembro

 

não estou nem aí

pro formato e cheiro do seu sexo

não penso em sexo ter tesão

em te escrever

é a santidade

que odeio

 

VI

um dia depois que seus 20 anos acabem

provavelmente dirá que não tem amigos

 

é o tipo de pessoa que fala com petulância

mesclada ao amor paterno que ignora

o cigano mas quem sabe adormeça

com as músicas de meditação

que deu pra escutar

 

e ainda é capaz que diga “que bonita é

a sua paixão”

 

VII

tô de saco cheio desse fogo

escrevo queimada

ser ruim é o que te faz apagar

o fogo criador: esse fogo santo

 

VIII

terão outros

 

 

 

DE CARTEIRINHA

 

todos nascemos com o livre-direito

de sermos babacas

(ninguém vai te excluir por isso)

é uma carta vitalícia

(ninguém confere no céu

se você usou ou não)

é possível ter uma vida espiritual

e ainda assim ser babaca

a maioria dos homens que eu conheço

foram estão sendo ou serão babacas

a taxa de natalidade dos babacas é cristã

 

uma vez conheci um hippie da Tijuca

nos amamos como mamíferos

fomos milton-nascimento um pro outro

inventamos um muro depois derrubamos

sugeri até John&Yoko

depois ele se calou como um morto

um inseto um inválido

mas só estava exercendo seu direito

de ser babaca

um babaca playboy com vida espiritual

ele continuará dizendo “gratidão” ”axé”

sua fauna não secará tão depressa

quanto eu gostaria

 

graças a Deusa não tô mais apaixonada

do contrário não estaria aqui no poema

e no fim do delírio é mais confortável

quando estou no poema

do que quando um babaca playboy

me diz “gratidão” e entra em mim

 

essa é a ovelha pela qual dou a vida

talvez eu já esteja usando a carta

(os babacas podem dominar o mundo

mas não meu poema)

 

 

 

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial