*Jean Narciso Bispo Moura
Escrever tem vários vãos, saídas e entradas inimagináveis, desde que o texto seja portentoso de ideias e sugestões.
Nesta semana comecei a leitura do livro Semblante de nós, dos poetas paraenses Ana Meireles e Marcos Samuel Costa.
Os autores deslizam as palavras como tocassem um álbum invisível do tempo, contemplando cores, textura e tonalidades, sentindo as temperaturas e os sabores do vivido.
A palavra saudade salta nas páginas do livro, instalando-se como desejasse vir e se apossar um poucochinho do agora, carregando o passado e suas bagagens, e no finalzinho da tarde contemplando uma revoada de andorinhas, partisse; já reconhecendo que o seu tempo e lugar legítimo, não é mais aqui.
O título do livro de poesia Semblante de nós, trouxe-me a primeira impressão de algo remissivo, apresentado como uma imagem vocabular viva, não-congelante, tendo uma função de nos conduzir semanticamente a outros lugares.
O título aciona o todo-em-um, plaina direções e nos coloca parte desta coleção subjetiva do indivíduo-coletivo.
O interessante é que os autores Ana Meireles e Marcos Samuel Costa, habilmente não adicionam nenhum artigo antecedendo a palavra Semblante, isso parece estratégico e feito para comunicar que este indivíduo enunciado no livro não quer ser determinado, ele é simultaneamente definido e indefinido, parte presente em cada um de nós.
Meireles e Samuel estendem nos poemas os seus braços e vozes para o presente da palavra: o passado está intacto visto por fora da vidraça, só podendo ser visto pelos olhos molhados da memória, que mantém relação apenas de transcendência.
Não há choro convulsivo e tampouco pranto, tudo é contido em seus versos, há consciência silenciosa de que não se pode atravessar os portais do tempo: o melhor deles, na visão de ambos, foi a infância – período singular.
Outra imagem que cerrou a minha boca, foi ver a caligrafia de ambos percorrer a saudade que aqui se assemelha a um peixe que mostra tão somente a barbatana e cabeça de dentro de um rio secreto e intimista.
Há nesses poetas uma emoldurada geografia natal, um tempo próprio onde se vê igarapés, palafitas, açaí e rios.
Estes bons poetas paraenses carregam nas escrituras a saudade, o silêncio, o cheiro e o sabor das coisas, o tempo culinário e as suas panelas; diálogos temporais que pela distância se tornarão remotos. As suas vozes poéticas são almas bonitas e harmônicas, que de tão vizinhas de nossos sentimentos, nos confunde sem dizer de quem é a letra, de quem é a grafia, de quem é a voz. A poesia deles dialoga com o passado com intuito único de revitalizá-lo, a memória neste ínterim se espraia com os seus patuás afetivos que gritam vida no presente e movente tempo.
*Jean Narciso Bispo Moura (1980). Poeta, natural de São Félix-BA e reside atualmente em Suzano-SP. Estreou em livro no início dos anos 2000, com o título A lupa e a sensibilidade, também é autor de 75 ossos para um esqueleto poético (2005), Excursão incógnita (2008), Memórias secas de um aqualouco e outros poemas(2011), Psicologia do efêmero (2013), Retratos imateriais(2017) e Dentro de nadir habita o zênite, Ed. Folheando (2018)
Palavras me faltam para dizer da beleza efetivada por tua leitura. Para muito além de gratidão, efervesceu minha emoção. Que júbilo senti !
Ana Meireles, que beleza de livro! Parabéns pela poética que jorra de ti.