Livro de poemas Uma casa perto do vulcão faz da olaria da palavra toda uma arte de traçar identidades pelo olhar poético.

 
 
 

Fernando Andrade

Me diga você, não um leitor(a) que vá por acaso ler esta resenha particular… mas um leitor eruptivo que tenha saído de quantas e quantas leituras vulcânicas pelo magma textual que já sedimentou a vida. 

Não totemize as memórias, apenas. Ofereça um culto sem religiões à escrita polimórfica, híbrida que tenha voz humana, mas corpo animal. Não dome ela, deixe-a livre procurando uma voz ancestral que venha dos recônditos- primevos tempos.

Não faça distinção entre o narrado e o poético, diga que o eu poético cruzou o fundo da terra; saiu da lava vulcânica & explodiu Pompéia – criou epopéias, bebeu do homero, foi a origem do pecado? o homem não emprestou sua costela à prim-eva mulher.

Tudo não se passa de uma uma questão da mente, basta criar a primeira voz íntima que puxa alguns temas, outros pertences, vou ouvindo Roberta Tostes Daniel deslizando contrações, ideias morfológicas poéticas,  num parto natural sem forcéps, a ideia de Uma casa perto de um vulcão (editora Patuá) com uma correnteza de palavras que se associam de acordo com fluxo da poeta, com sua mímese de suas vidas, não encarnacionais, mas ficcionais alteridades, vemos como numa tela de cinema, os cortes secos, mas compassados, deslizando tempos narrativos, afetos por personagens reais ou litero-artísticos

É como se a poeta puxasse o fio de uma longa história que foi um pouco esquecida, mas a práxis da sua poética à resgata do esquecimento. Seus versos são como tablets de cenas que se deslocam em velocidade operante pela página, a maquinação de sua potência da língua a faz operar em fotogramas versiculados onde sentido e estética se entrelaçam harmoniosamente.

É um operação de montagem que ela transpõe para planura da página. Isto me faz citar Peter Greneeway quando deslizava a câmera pelos trilhos fazendo panorâmicas, Roberta tem também este dom: de juntar tempos narrativos, polissemia poética, retraçamento memorialístico, tudo numa espécie de tablado. Sua habilidade é artesanal, e o processo de costurar veio poético me lembra a construção de personagens num palco. Sua arte parte do corpo, mas não é só o corpo, que se vale disso.

Há uma síntese de arquetipização tanto da simbologia dos mitos, das células primitivas que vem do barro primordial. Sua relação com o espaço tanto macro longitudinal quanto como os pequenos e restritos espaços acolhedores de intimidade. Há sempre um certa limitação ao expor a linguagem, o fluxo poético em 1 pessoa, porque nele existe uma premência, por segurança, por atualidade. Mas Roberta consegue se descolar disso, e se dissolver em personas – máscaras que lhe deem a liberdade de futucar a veia subterrânea, do passado, das lembranças, de suas identitárias leituras que lhe pergaminharam  em leitora e depois artesã.

COTAÇÃO: EXCELENTE

 

 

Fernando Andrade, jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018 o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie,  Editora Penalux.