“deflagrarem sem riscos os raios da tua luz” – Três poemas de Evaldo Balbino

 

Lázaro

Quando minhas pálpebras em escuro seladas
abrirem-se por fim
entre flores murchas e ruínas de inseto,
deixa-me olhar!

E quando meus olhos distantes,
cansados de exílio,
deflagrarem sem riscos os raios da tua luz,
mostra-te
como retrato esquecido
no escuro do mundo!

(Do livro Fantasma de Joana d’Arc)

 

Concerto

Suspensa na tórrida manhã,
com garras de arame farpado
atarraxadas num tronco,
esdrúxula bruxa é a cigarra.

Com as farpas pontiagudas
do seu canto gritante
essa bruxa se matará
amena.

Ainda tão jovem
neste início de aurora sem hora,
e vai morrer exausta
e plena.

Com nossos hinos afiados,
sereias eternas suicidas,
fiamos juntos com a cigarra
os frágeis fios da vida.

(Do livro Fantasma de Joana d’Arc)

 

 

A vampira de Deus

A ânsia do encontro, a noite
prossegue em chuva
caudalosa. Os raios
não me atingem pois
têm medo do meu fogo,
meu desejo e minha solidão.

O cálice oculto me espera
e se mostra à minha mão ardente
e triste.
Pego-o como se pega o amor,
a dor, o corpo que me fala
por mistérios. Derramo nele
o vinho da galheta.

Agora é sangue o que me ama.
E o bebo todo, sôfrega, como bebo
a água que aumenta a sede,
a água que medra a servidão.
Sorvo o sangue, sou vampira
no pescoço de Deus que me alucina.

Bebo tudo, e sobre meus lábios
de infante
nenhuma infância jaz.

É coito, um lábio sobre o outro,
um roçar que deflora o esgarço tempo.

É sangue o que desce
e sanguíneo algum me despe
do vermelho sem rédeas
em meus olhos.

(Do livro Fantasma de Joana d’Arc)

 

 

Evaldo Balbino (1976) é poeta e escritor. Nasceu em Resende Costa, Minas Gerais, e vive desde 1995 em Belo Horizonte. É licenciado em Letras, mestre em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde é professor de Português e pesquisador de literatura. É membro da Academia de Letras de São João del-Rei (ALSJDR), onde ocupa a cadeira n o 1 cujo patrono é o político, escritor, professor e advogado provisionado Severiano Nunes Cardoso de Resende (1847-1920). Tem crônicas, poemas, contos, artigos e ensaios de crítica literária publicados em antologias, suplementos literários, jornais e revistas acadêmicas. Assina, desde 2009, a coluna “Retalhos Literários” do Jornal das Lajes (www.jornaldaslajes.com.br). Já recebeu diversas distinções literárias, destacando-se o Prêmio Edital Estímulo às Artes do Suplemento Literário de Minas Gerais em parceria com a Fundação Clóvis Salgado em 2005, o Prêmio Braskem da Academia de Letras da Bahia em 2012, o Troféu MG Cultura em 2013, o Prêmio Humberto de Campos do Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ) em 2014 e o 3º lugar no Prêmio Saraiva de Literatura em 2014. Obras publicadas: Moinho (2006 – poesia), Móbiles de areia (2012 – crônicas), Filhos da pedra (2012 – poesia), Amores oblíquos (2013 –contos), Os fios de Ícaro (2015 – romance), Apesar das coisas ásperas (2016 – crônicas), Fantasma de Joana d’Arc (2017 – poesia). Pela editora 7Letras foram lançados os títulos Amores oblíquos, Apesar das coisas ásperas e Fantasma de Joana d’Arc. Para contatos com o autor e mais informações sobre seus trabalhos:

E-mail: evaldo_balbino@yahoo.com.br
Blog: https://evaldobalbino.blogspot.com.br/
Site: http://www.evaldobalbino.com.br/
Facebook: http://www.facebook.com/evaldobalbino
Currículo Lattes:http://lattes.cnpq.br/4498200084762279

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