A FONTE
No fim da rua havia uma bica farta
Aonde íamos, meu pai e eu,
Baldes pendentes nas mãos,
Buscar a água que sempre faltava
Na João Monlevade da minha infância.
“Vê, meu filho, que belo?
No fim da rua é onde jorra a vida!”
Recordo-me disso agora
Com renovada alegria,
Porque, quando o papai se foi
Eu chorei tanto, tanto…
E, no entanto,
Ele apenas havia alcançado a bica.
A CIDADE DAS CASAS ABERTAS
Era uma rua torta
Que eu varava ligeiro
Atrás das andorinhas
E toda a gente assistia
Das poltronas e varandas
Porque naquela cidade
As portas e as janelas
Passavam os dias abertas
E só se fechavam à noite
Por causa dos pernilongos.
Nada naquele lugar
Oferecia perigo
A não ser o de criar
No espírito aprendiz
A ingênua fantasia
De um mundo sem paredes
E corações sem tramelas
Repletos de ruas tortas
E bandos de passarinhos.
CULTIVAR ESTRELAS
Precisamos urgentemente
Colher as estrelas do chão.
Essas pequeninas gotas de luz
Que brotam pelas sarjetas,
Brincam nas poças d’água,
Exibem barrigas nuas
Entre as entranhas das ruas
E, por estranhas vertigens,
Correm na contramão.
Temos que colhê-las!
É preciso dar-lhes
De beber mais alma
E de comer mais carne.
De ouvir mais cantigas
E dizer mais versos,
De galgar mais terras
E sonhar mais nuvens.
Podemos mesmo alcançar
Que um dia brilhem além,
Bem mais além do possível
De se apanhar com a mão,
Se a elas dermos, com sinceridade,
A real possibilidade
Da amplidão.
CURRÍCULO LITERÁRIO:
Ádlei Duarte de Carvalho é escritor mineiro, de Belo Horizonte, autor das
seguintes obras:
A travessia (romance, 2008)
Todas as palavras de amor (poesia, 2008)
Triângulo vermelho (romance, 2011)
Canção para despertar os pássaros & novos planos de voo (poesia, 2012)
Uma estrela nos olhos do menino (romance infantojuvenil, 2018).
Tem poemas e contos publicados em antologias e revistas literárias do Brasil e
de Portugal.
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