Romance A dor dos lobos recorta laços familiares para falar do silêncio do pertencimento.

O que a palavra contato teria de afetuosidade com o sujeito autor? A ideia de autoria passa à nos, quem está no comando, ou é precursor de uma ideia, conceito, obra, descendência…

Todo autor ou escritor preza mais uma auto-imagem de si mesmo do que aos outros? o contato dos seus dedos como a caneta ou a tecla digitando ou escrevendo o romance da sua vida ou uma obra poética que seja sublime à ponto de imortalizá-lo. O contato me parece também uma palavra espacial que guarde distâncias tanto entre locais quanto afetos. Se formos para mais perto, ou particular, entrando na intimidade, diríamos que é um estudo do tato, aqui tanto a fricção da pele como o zelo ou seu irmão mais comum: cuidado.

Ao ler o livro A dor dos Lobos da escritora Rosane Pereira pela editora Patuá, me veio na mente esta ideia da procura do autor dentro de um labirinto onde não se ache mais fachada ou saída para sua caminhada ou vida. E neste arame ou tanto faz se for fio solto pelo labirinto, onde ata-me ou desata-me parece um jogo puramente apenas formalista, ou coquete, quando deixamos cair um pouco da ca(fé) em nossas devoções aqui nem entro no mérito de à quem. 

Mas podemos contextualizar que tudo dê início por uma família, este núcleo que tanto serve para debates de gêneros quanto experimentações sobre a arte de narrar. Pois é abrindo um núcleo da família do maestro, Theo, com uma trama que parte do início de um sumiço da sua filha, Melissa, dramaturga, que sai de casa chorando e desaparece. 

Mas será que toda arquetípica história tem um ponto de começo, onde se solta o laço, o fio, e aquilo se enovelará rumo a um lugar à priori fechado para o leitor, pois a narrativa caminha como um suspense. Luciana primeira esposa de Theo e mãe de Melissa parece uma aparição não tanto fantasmática, ela já morta, mas sim afetante do ponto de vista da memória como liame que nos perdura no tempo, como um barco deslizante sobre uma tempestade calma.

Cada personagem tanto os filhos de Melissa, Charlotte, filha do Theo de outro casamento e Guilherme, o homem por qual Melissa estava apaixonada, parecem nichos ou tocas à meia luz.
Sombreadas por degredos, ou feridas que são múltiplas pois na ficção como na vida somos interdisciplinares com nossos afetos e corações. Temos família, como também amantes, e não há julgamentos aqui deste leitor. É interessante notar a correlação com os lobos, pois estes animais possuem um ethos gregário. Silenciosamente parecemos mais sós do que supomos ou aparentamos pelos entes queridos. O romance cresce no interdito, nas lacunas que os personagens omitem quanto ao teatro interno de cada um. Um autor em busca de um personagem seria uma máxima pirandeliana? Qual sinestesia pode haver entre a lacuna da criação aqui orbitando entre  obra externa ( um livro ou uma peça de teatro) com o traçado psicológico interno de cada pessoa-person(agem)?

Melissa quando desapareceu estava montando uma peça chamada a Dor dos lobos. Envolvida até a medula no trabalho, ela sublinhava ou sublimava sua afecção pelo entorno familiar? Num traçado onde num restaurante se serve ostra, num sútil aderência à outra palavrinha parecida, cujo teor parece de subjetividade punjante, algo como o ver- se-mostrar-se, ter contato visual…

 

 

afernandoab 1024x1024 - Romance A dor dos lobos recorta laços familiares para falar do silêncio do pertencimento. Fernando Andrade – crítico literário, poeta e escritor, autor de 4 livros de poesia, o mais recente é Perpetuação da espécie [Editora Penalux, 2018].

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