Livro de contos Paisagem interior traça num fluxo de imagens, paisagens de Minas.

Livro de contos Paisagem interior traça num fluxo de imagens, paisagens de Minas.

por Fernando Andrade

 

Livro de contos Paisagem interior traça num fluxo de imagens, paisagens de Minas. Presto atenção à roda do carro de boi. Ela risca o chão sem se atolar no barro da chuva reprimida da noite anterior. Pela massa do corpo dos bois, o carro puxa a tração do que vem dentro, madeira, sacos de farelo. Há também para o ouvinte que se dispuser à ouvir um chiado, um som, uma lasca(da) de guizo que soa como assovio. O movimento da dança do passageiro que não é carga é sempre quebrado, torto. Minas tem este tropeço, as coisas são visivas em sua ontológica realidade. Há montes encobertos de névoa, neblinas.

Por Minas se convém alusivar aquilo que não se detém bem. Como uma narrativa que pode ser clara num ramo de árvore, num trecho de córrego que separe duas partes de uma estrada. Mas há aluviões com olhos de gaviões olhando as sinaleiras, os desvios, as trilhas que saem do caminho apontando trejeitos trajetos interioranos.

Marcos Vinicius Almeida em seu livro de contos Paisagem interior ( editora Penalux) faz uma caminhada da escrita por dentro de Minas, não apenas como sugere o título, uma dupla hélice de entendimento da estética proposta pelo autor. Não é apenas uma alusão tanto ao sertão mineiro, com os jeitos de matutar o cotidiano; aquela reflexão pausada entre um corte de fumo de palha. Quanto a tantos perfis que passam pelo contos, personagens que se agregam ao meio ambiente, mas não estão deslocados de um eminente perigo. Marcos faz da relação entre lugar e paisagem, pois lugar demarca fixidez, já paisagem traz em si um sinal arquetípico, fantasista.

Aqui que quero chegar.

Pois é no lapso de uma estrada que se encontra um andarilho que na sua perdição traz uma sina ou sinal de algo pertencido, como uma garrafa de bebida. A paisagem borra sua superfície trazendo a fundura de uma ação transgressiva ou perigosa. Como menino gordo, na novela que abre o livro, O Andarilho, num salto para o rio, se torna inerte ao fluxo da vida e da própria paisagem, a criatura deixa de ter relevo para se tornar uma sombra perante os vivos. A voz do autor é sempre longitudinal, sempre riscando o chão pedregoso ou poeirento. Mas há sombreados em posições de enclaves ou encruzilhadas, como o personagem que carrega madeira debaixo de uma tempestade, até aparecer um fusca e resgatá-lo talvez da morte, no conto, Ele ainda toca violão.

O autor sombreia estes desvãos de acontecimentos que numa situação a posteriori poderia virar um causo contado por um matuto com um cigarro na boca.

Há que se destacar o conto Divisa, por seu teor escapista aqui não só brincando com a palavra literal onde um senhor bota cães ferozes para correr e matar escravos que fogem correndo para não serem mordidos até a morte, mas também, na relação aguda de suspense criado pelo autor onde o ar do leitor escapa pelas gretas dos lábios, num fôlego dele leitor também escapista. A perversidade dos senhores aqui é muito bem diluída em bom subterfúgio onde a solução da caça é um passe de mágica com o desenlace.

cotação: ótimo

 

 

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Fernando Andrade – escritor, poeta, crítico literário, jornalista e parecerista. Autor de 4 livros de poesia, o mais recente é Perpetuação da espécie ( Penalux, 2018).

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