E o parco pão que racionavas todo dia? -Três poemas de Wellington Amancio da Silva

 

Sísifo

Quando enfim a pedra no cimo esteve.
Sim. A pedra do cimo no tempo. Quando.
A pedra que o cimo suporta, esteve.
Por um átimo, encimada mante-se, e a Terra parou.
Quando a pedra do cimo desfez o cismo
negou-se à gravidade — por um átimo a vontade imperou.
Quando? Encimada, por nada e muito menos,
rolou furiosa ao largo dele e parou. A pedra do cimo.

 

 

Obras completas

É muita humildade, senhor escritor
resumir toda uma vida à meia dúzia
de pequenos livros publicados
em editoras obscuras, senhor
E teus panos que ficaram no varal?
E as contas de água acumuladas?
E o paletó puído, quando saías às entrevistas?
E as latinhas de alumínio amontoadas
E o porquinho cheio de moedas pequenas
para tentar comprar as obras completas de
Paul Verlaine, George Eliot e Lêdo Ivo?
E a revista obscura que publicara alguns sonetos?
E as aulas que faltaras para escrever?
E os descontos nas folhas de pagamento?
E o parco pão que racionavas todo dia?
Por que não te envaideces nestas coisas?

 

 

Espelunca um

Dentro deste paletó puído
mora um homem pensador
— pensa dor, pensava amor!
No vão de dentro
no bolso à esquerda
(perto da etiqueta dourada)
há uma ficha telefônica
e uma caneta esferográfica
No bolso furado da calça
havia um verso inédito
seu melhor verso inédito
Bateu estribo no peito
e murchou debalde
— o poema se perdeu —

No paletó havia
além da sua alma
uma pequena escrivaninha
onde Zé datilografava
mentalmente seus versos,
no reverso branco de tecido
do forro suado das costas

 

 

José Amâncio (pseudônimo de Wellington Amancio da Silva) nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas (caatinga nordestina!). Formou-se em Pedagogia em Filosofia. Tem mestrado em Ecologia Humana. Atuou como professor universitário. É fotógrafo, artista visual, multi-instrumentista e arranjador schoenbergeriano. Em 1997 inicia projeto literário: escreve alguns versos, contos e outros textos; conclui alguns livros, mas não consegue publicá-los e se detém, por quase duas décadas, em revisões. Está sempre preocupado com a escrita na condição de lida que perfaz a si mesmo e ao mundo derredor.

A partir de 2014 são publicados alguns dos seus poemas em revistas literárias especializadas: Revell — Revista de Estudos Literários da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul; Germina — Revista de Literatura e Arte, Revista Educação — Ung-Ser, e Revista Literária Sítio (Portugal), Gazeta da Poesia Inédita (Portugal), Tyrannus Melancholicus, Medium. Entre 2016 e 2018, a revista italiana Utsanga publica uma série de poesias visuais, de desenhos em técnica mista e de escriturações diversas. Do autor, foram publicados os livros, “Ontologia e Linguagem” (filosofia da linguagem); “Pensar a Indigência com Michel Foucault” (filosofia); “Eflúvio Maior (filosofia da arte)”;  O Quasi-Haikai” (versos); “Epifania Amarela” (versos); “Ulisses e o Timoneiro” (versos); “Distímicos e Extrusivos” (versos); “Diálogos com Sebastos” (teatro); “O Catingueiro” (romance) O Reneval (versos), além de dezenas de artigos científicos em revistas especializadas. Trabalha atualmente “costurando nuvens” e “tecendo fagulhas”. Fundador da editora Edições Parresia e da revista “O Pardal”.

Bibliografia literária
1. Elegia da Imperfeição (versos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2001.
2. Primeiros poemas soturnos (versos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2009.
3. Ulisses e o Timoneiro (versos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2014.
4. Diálogos com Sebastos (prosa socrática). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2015.
5. O Epifania Amarela (versos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2016.
6. Quasi-Haikai (haicais e versos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2017.
7. O Reneval (versos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2018.
8. Distímicos e Extrusivos (verso e prosa). 2ª edição. Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2018.
9. Narrativas do Abajur (contos). Delmiro Gouveia-AL. Edições Parresia, 2018.
10. O Preço do Pai (romance).

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