“depois catávamos catástrofes” – Três poemas de Marcelo Pierotti

 

LOGORREIA DIDÁTICA PARA TEMPOS DE MERDA

Te enganaram no Rá-Tim-Bum,
sinto muito informar que
viver é um troço fodido.

Melhor seria saber o
quanto antes quanto se
vai de si no lastro do
tempo a cada passo dos
muitos passos perdidos –
todos eles, para ser exato –
entre primeira e última
lufadas sofridas de ar.

Sagrado e profano são
dois nomes vistosos para
uma única e mesma coisa
irrelevante e toda torta.
Ninguém faz ideia sobre
a serventia do mundo,
nunca permita que
te digam o contrário.

Flutuamos sem rumo
numa casa de loucos,
o vetor nós engolimos
pela mais pura inércia

e nem me faça começar
sobre essa porra de amor.

 

 

NOITES COM LADLI

nossas noites eram memoráveis:
ela dançava a hula de Ammit

um homúnculo mal batia
pregos nas minhas têmporas

depois catávamos catástrofes
com uma redinha de náilon

éramos tão jovens que
não havia tempo para nada

era preciso acabar com a vida
para melhor louvar a vida

ou qualquer besteira dessas –
nunca nos informaram do plano

 

 

REMINISCÊNCIA

Lil’ Johnson meio vesga
balançava as canelas magras
e nuas sobre a mesa bamba
ao lado da jukebox

acenei quando entrei como
sempre sem ser visto
virei amigo de um cara
triste de terno amassado
que me pagou umas bebidas
fartas ainda que breves
e saiu ladeado por diabos
carrancudos que iriam matá-lo
porque ele cheirava demais e
porque ele pagava de menos

eu era jovem e arredio
e fui dormir mais cedo

(a noite somava dois
defuntos a mais do que
o necessário para
me afugentar)

ou então fui beber
em outro lugar

não lembro
naquele tempo dava
tudo meio que na mesma

 

 

Marcelo Pierotti, nascido em 1984, é autor dos livros Domingo no Matadouro (2013) e Cínico (2019), ambos pela Editora Patuá. Escreve poesia, alguma prosa e tenta se acertar com a ilustração. Depois de muito se mudar, hoje em Sorocaba, SP, onde cuida do filho chamado Antônio e de uma gata chamada Morgana.

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This Article Has 2 Comments
  1. Ivy Menon Reply

    SHOWcada!!! Fodástico. Amei.

    • Roberto Monteiro Reply

      Pois é… nada como ser autêntico e escrever com a alma. Por sua vez, outros, metidos a literatos e líricos não me apetecem. Ainda bem que se vê de tudo por aqui. Obrigado aos editores e a quem empresta seus versos, como é o caso do ora em post. Abraços a todos.

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