Livro de poemas Ao tempo poemas faz do tempo a contenda lírica e sentimental da presença-ausência do encontro
Um monge cansado de orar por um mundo melhor, trocou Deus pelas lembranças. Mas não dele, especificamente. De alguém que passasse pela *casa vazia, e procurasse o eco da ausência. Pensou que orar era quase igual a chorar por alguém que nunca tinha visto, apenas pressentido. Como esta pessoa entrando num quarto que parece ser um dormitório do tempo.
Como se as horas fossem tão sonolentas à ponto de deitarem os ponteiros do relógio na parte de baixo hora poente. São 6 horas da tarde, hora crepuscular. Sinto que eu e o monge temos uma espécie de epifania com relação à cheiros. Pêssegos, que parecem já amarelados pelo tempo que ruminam neste quarto de hospital. Mas não parece, talvez um quarto de mosteiro, não visto por inteiro.
Cristina Macena abre seu livro, Ao tempo poemas, editora Penalux, com a introdução de uma certa ação que deambula por espaços palmilhados de saudades. Ao mesmo tempo que encontra caixas cheias de fotos de casamento, parece pernoitar ali um leve odor de outono modorrento. Não temos pois exata marcação de tempo, os relógios estão desbaratinados, perderam a noção das horas. Mas leitor, sinta a pressão no peito, não de uma parada cardio-respiratória. E como se a ficção entrasse dentro de um baú à muito perdido no passado. E agora Macena o abre neste exato, momento que crítico Fernando Andrade começa acompanhar esta caminhada rumo ao passadiço, embarque, ao redemoinho dos grãos perdidos no moinho do tempo.
A poeta desembaraça de um cunho de fato, e dedilha poemas em série com divisões que parecem nada fixas. Cada filigrana de emoção da personagem é agora musicada nos traço-espaços entre versos, falando do que não é permanente. Havia insetos sob a lâmpada do recinto?(sinto) foram queimados pela luz? Cristina parece rebater aquele quarto e suas ausências, como frescor do tempo, do lado de fora do coração, aquele da praça arborizada, do céu azul. São letras aqui não gráficas, mas músicas de elemento natural.
Aquilo que fica renitente na memória, pois alguém é capaz de esquecer um pôr do sol? A epígrafe de Hilda, parece evocar um adágio sobre a destemperança do mundo adulto, e evolar certa criança fabular, jogo entre solidez e ingenuidade. A poeta traceja em torno de todo livro uma ramagem de afetos e sentimentos que à priori não podem ser matematizados. Só podem ser poemados ou amados por uma intuição brejeira.
* Casa Vazia filme coreano do Kim Ki-Duk
Cotação: Muito bom
Fernando Andrade, poeta, escritor, parecerista, crítico de literatura e jornalista. É autor do livro Perpetuação da espécie, editora Penalux, 2018.
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